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Conheça o processo criativo de cinco artistas negras brasileiras

Flávia Martinelli

13/03/2020 04h00

No mês das mulheres, coletivo feminino da periferia de São Paulo lança holofotes sobre o processo criativo de cinco artistas negras brasileiras.

Jessy Velvet, dançarina de Voguing

Reportagem de Monise Cardoso, especial para o Blog Mulherias

Nossa História Invisível é uma websérie com duas temporadas no ar pelo Youtube. Já apresentou mais de 10 histórias de mulheres diversas e essenciais em suas comunidades –poetas, contadoras de histórias, pessoas com deficiência, artistas trans, benzedeiras e rappers -, e agora traz o trabalho e o processo criativo de cinco artistas de diferentes segmentos, mas que compartilham do desafio que é ser visibilizada numa realidade onde o mercado é dominado por homens brancos.

Veja também:

Rosana Paulino, artista visual mundialmente reconhecida como pioneira no debate sobre gênero e raça. Tao Nare, performer e fotógrafa que transita por várias expressões artísticas. Nayara Reis, stylist que vê na moda uma forma de se reconectar com sua história familiar. Yamakasi Velvet Zion, dançarina de Voguing, que é um dos movimentos de dança mais importantes do mundo e Nayra Lays, cantora e compositora promessa da música nos próximos anos dividem o protagonismo, a genialidade  e os percalços de viver da arte.

Nayara Reis, stylist

Nossa História Invisível é produzida por três jovens periféricas que se conectaram na busca de, através do audiovisual, gritar as dores e mostrar a potência das mulheres que vivem o cotidiano das quebradas da cidade de São Paulo. Karoline Maia (26), Camila Izidio (25) e Carol Rocha (25) formam a Pujança, produtora de audiovisual que começou como um coletivo.

Equipe da produtora Pujança: à esq. Karoline Maia, ao seu lado Carol Rocha, e atrás Camila Izidio.

Sensíveis e filmados com foco nas personagens, os vídeos produzidos pelo trio nos conduzem a prestar atenção a cada detalhe dos corpos presentes ali. "A websérie também fala muito sobre as feridas e os processos de nós, mulheres pretas por trás das câmeras", explica a diretora Karoline Maia.

Nayra Lays, cantora

As duas edições do Nossa História Invisível foram viabilizadas por meio do Programa VAI, edital da Prefeitura de São Paulo que incentiva financeiramente projetos de coletivos culturais da cidade. Karoline, Camila e Carol montaram equipes 100% compostas de profissionais negras e lgbtqia+ do começo ao fim das produções.

Rosana Paulino, artista visual

Confira abaixo os vídeos e um pouco mais do que cada uma das artistas retratadas tem a dizer sobre suas referências e processos criativos.

Tao Nare, performer e fotógrafa

Rosana Paulino

"Eu não quero dar respostas, eu quero que as pessoas se questionem"

Nascida e criada na Freguesia do Ó, Rosana Paulino (53) é artista visual, educadora e curadora. Suas obras já foram expostas na Pinacoteca de São Paulo e são reconhecidas mundialmente pela maneira como questionam a formação racista no Brasil. Em seu trabalho usa principalmente a gravura, mas também o barro e o tecido. "Eu sou uma artista extremamente técnica. A técnica está aí para ser usada, e é ela quem vai determinar que aquilo que você quer que seja discutido na sua obra, seja efetivamente discutido. Isso não é sorte, é técnica!", diz.

Jessy Velvet

"A Madonna não inventou o Voguing. Lá em Nova Iorque, no Harlem, são as bichas pretas que até hoje fazem essa cultura acontecer!"


Jessy começou na arte através do balé, aos 18 anos, quando decidiu que se tornaria uma bailarina clássica. Mas em pouco tempo descobriu que seu corpo só se encontraria liberto nas expressões urbanas. Hoje, Jessy é dançarina de Voguing, dança de rua criada em 1980 pelo movimento LGBTQ americano, e que é inspirado nas poses que os modelos da revista Vogue faziam.

Nayra Lays 

"O que me conecta às pessoas que ouvem a minha música é o fato de eu falar sobre o nosso direito de chorar."


Do Grajaú, Zona Sul de São Paulo, começou na música dentro de casa, brincando de fazer letras de pagode com o seu tio Júlio. Hoje se dedica ao rap, mas demorou muito até se aceitar e reconhecer seu talento como compositora e cantora, principalmente num meio onde o machismo ainda é bastante marcado.

Nayara Reis

 "Eu cresci no pé da máquina"


Nayara seguiu a profissão das matriarcas da sua família, dentro de casa, todas ganhavam a vida como costureiras. No vídeo, ela conta como sempre achou mágico o poder de pegar um pedaço de pano, linha e agulha e de repente poder vestir uma pessoa. No trabalho como stylist, Nayara deixa claro que o foco não é apenas a técnica da moda, mas a conexão estabelecida com a pessoa que ela vai vestir. "Não tá ligado a 'pessoas altas só podem vestir x ou y', mas tá ligado ao comportamento, à expressão das pessoas", diz.

Tao Nare

 "Não existe outra maneira de chegar nas pessoas se não for fazendo um trabalho que seja o máximo de mim"

A perfomer e fotógrafa Tao Nare busca mesclar ancestralidade e também afrofuturismo em seus trabalhos. O autorretrato é algo muito presente nas obras da artista. Segundo ela, foi a maneira que encontrou de tentar entender o porquê de seu corpo causar tanto medo e incômodo nas pessoas. "Eu preciso olhar pra minha cara para entender de onde vem essa raiva que as pessoas sentem de mim".

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.