Das tranças em casa ao corte chavoso: o que é ser cabeleireira na periferia
Colaborou Marina Azambuja, especial para o blog MULHERIAS
Basta uma volta na periferia para constatar: salão de cabeleireira é o que não falta. Nos finais de semana estão sempre lotados. "Seja para fazer um dread, uma progressiva, dar uma lavada, escovada ou passar um gel, esse momento de cuidar do cabelo dá muita dignidade, sabe?", diz a cabeleireira e trançadeira Cláudia Borges, de 52 anos, moradora do Jardim Ângela, na zona Sul de São Paulo. E não se trata apenas de vaidade feminina. Sucesso entre os manos, o corte chavoso, com linhas e formas geométricas esculpidas nos cabelos, é responsável por filas em barbearias e salões unissex.
"Mesmo nessa crise, salão por aqui não fecha. Se acontecer, logo o profissional se junta a outro ou faz o trabalho em domicílio, na garagem ou na sala de casa, como eu muitas vezes. Do cabelo não deixamos de cuidar", completa Cláudia, uma das personagens do curta metragem "Quem te penteia?", filme idealizado e realizado em vielas paulistanas pela Zalika Produções.
Assista ao teaser abaixo:
A relação entre os clientes e os profissionais que garantem toda essa "chave", gíria que define o estilo, charme e estéticas que nascem nas periferias, é o tema do documentário que acaba de ser lançado em São Paulo (para saber dos lugares de exibição veja ao final da reportagem e acompanhe a página do filme aqui). "Percebemos que as relações entre quem cuida do cabelo e quem é cuidado são menos baseadas no capital e muito mais em uma troca humana, de afeto e de valores profundos", explica a roteirista e diretora de arte do filme, Nina Vieira.
O documentário discute ainda assuntos como ancestralidade, autoestima e economia solidária. "O fio condutor é a busca constante de ser e viver a identidade preta e periférica da forma mais livre possível", ressalta. Cabelo, portanto, também é símbolo de resistência aos padrões de beleza que não têm nada a ver com a quebrada. "Temos o nosso jeito, criamos nossa marca", diz Cláudia, que aos 14 anos descobriu que os cuidados que tinha com o cabelos das irmãs podia virar profissão.
Cláudia lembra que na infância sua mãe dizia às três filhas: "somos negros e temos orgulho de quem somos e porque somos. A mãe não quer nunca que vocês sejam interrogadas na rua pelo cabelo estar desarrumado, sujo ou feio". A perfeição nos penteados de uma das irmãs chamou a atenção.
"A filha de um dos membros do grupo Tranza Negra, sensação dos bailes black na década de 1980, chegou até mim e perguntou quanto custava cuidar do cabelo dela", recorda Cláudia. "Eu não soube o que dizer. Para mim, era uma coisa tão natural; só um gesto de carinho."
Cláudia diz oferecer esse afeto às clientes até hoje em sessões de trançamento de cabelos que podem durar até mais de 8 horas num dia."Ao colocar a mão na cabeça da pessoa, você está doando amor. E tem a conversa, a cumplicidade do momento. Eu também me abro. É uma troca de sentimento e de tempo. Ninguém quer dar seu tempo hoje em dia."
"Aqui, é como se o nosso cabelo fosse capaz de dizer: 'olha, seja lá o acontece ao nosso redor, estamos aqui, bem, vivendo, cantando, comendo, nos divertindo e chorando como todas as outras pessoas.' Essa marca que se vê nos cabelos da periferia não é só na aparência, sabe?"
A cabeleireira vê proximidade e solidariedade na maneira de a periferia se relacionar em tudo. "Passamos por coisas parecidas na vida, tanto em felicidade quanto em tristeza, e nos ajudamos. As pessoas aqui não se incomodam por estarem muito perto, trocando vivências, tendo contato bem próximo. Um constrói uma casa, outro puxa atrás e os dois dividem o mesmo quintal. Aí o outro vizinho estaciona o carro na porta, fecha a rua, faz uma festa e tá tudo bem. Com cabeleireiras e clientes que viram amigas é igual, tem essa relação. Faz parte da nossa cultura."
ONDE ASSISTIR QUEM TE PENTEIA? EM SÃO PAULO
08/06 às 19:30 – Instituto de Cinema – R. Teodoro Sampaio, 1121 e 1109, Pinheiros
12/06 às 14:30 – SASF Capão Redondo – R. Professora Eunice Bechara de Oliveira, 860
15/06 às 11h e às 15h – Cine Julita – R. Nova do Tuparoquera, 249, Jardim São Luís
30/06 às 11h – CEU Guarapiranga – Estr. da Baronesa, 2031, Parque do Lago
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.