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7 empreendedoras da periferia se juntam para combater a crise

Flávia Martinelli

29/05/2019 04h43

Elas se uniram e montaram a loja colaborativa Evelyn Daisy perto da nobre avenida Paulista. Foto: Reprodução/Facebook

Com reportagem de Hysa Conrado, especial para o blog MULHERIAS

Cada uma tem sua própria marca, produz e vende seus produtos em feiras e eventos. Para fazer entregas de compras online, o jeito era marcar encontro com as clientes em alguma linha do metrô de São Paulo. Parecia impossível o sonho da lojinha num ponto de vendas "tipo cartão postal", perto da Avenida Paulista. O centro financeiro e cultural estava bem distante da realidade das sete empreendedoras de origem periférica que tinham muito pouco para arriscar em investimentos. Sem falar do medo da crise.

Dados deste mês da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revelam que a maioria dos consumidores, 61%, avaliam o atual cenário econômico ruim ou muito ruim. Juntas, no entanto, elas mantêm há sete meses, na rua Itapeva, travessa da famosa Paulista, a loja colaborativa Evelyn Daisy, nome da articuladora do grupo, que gastou R$ 2 mil numa reforma para reunir num único espaço a venda de produtos de manas das quebradas.

"Não é uma multimarcas, é uma loja que oferece produtos diversos de marcas que colaboram entre si, nas ideias, no empréstimo de cabides, etiquetas, embalagens e até infraestrutura", conta a empreendedora de 36 anos que é cabeleireira trancista, modelo e produtora de moda e beleza em projetos voluntários de empoderamento feminino negro e periférico. Ela ainda tem uma grife plus size e é cantora de uma banda que defende a diversidade. Contrariando o pessimismo do mercado e os prognósticos dos baixos índices de consumo, ela conta que todas as marcas na loja dão  lucros.

"Há lucros melhores, como acontece na época do Natal, e meses mais modestos, claro. Mas sempre maiores do que esperávamos diante do baixo investimento", diz Evelyn. "Sem contar a praticidade de oferecer às clientes do online a retirada na loja, onde elas podem experimentar a peça!  Imagina antes? A empreendedora ia até o metrô, a cliente levava para casa. Se não servia, tinha que ir de novo fazer a troca! Um desgaste físico, psicológico e financeiro".

 

Evelyn Daisy se baseou nos princípios da Economia Solidária Foto: Reprodução/Instagram

As empreendedoras seguem os princípios da Economia Solidária. O conceito e a prática, inventados por operários no início do século 20, negam a separação entre o trabalho e a produção dos produtos. No Brasil, o maior especialista no assunto, o economista Paul Singer (1932- 2018), valida o entusiasmo das empreendedoras: "a Economia Solidária cresce em função das crises sociais", escreveu. Trocando em miúdos, o "compre de quem faz" tem tudo a ver com a "união faz a força".

Não por acaso, portanto, essa proposta mais humana de comercialização deu margem para Evelyn ir além dos produtos e contar para os clientes a história do grupo e as trajetórias das mulheres que os produzem as roupas, acessórios ou objetos de decoração. "Dividimos o aluguel, os riscos e, claro, nossas vivências. Porque para as empreendedoras que estão aqui, o negócio tem a ver com a necessidade de suprir sua família, fomentar uma comunidade e se realizar enquanto cidadã", diz Evelyn.

De mulher pra mulher mesmo: conheça as empreendedoras da loja colaborativa e suas histórias de vida

Andréa Ramos, de 44 anos, da marca Negafulô, conta que a ideia de vender bonecas negras surgiu de um presente inesperado. "Em 1998, ganhei uma delas de presente do meu namorado e percebi que passei toda a minha infância brincando com bonecas brancas, loiras e de olho azul", lembra. Depois de refletir, entendeu que poderia possibilitar às outras crianças negras o acesso a bonecas com características que valorizassem a cor e a textura dos seus cabelos. "Comecei a trabalhar com a Negafulô por uma questão pessoal e social de identidade."

Andréa Ramos, da Negafulô: bonecas trazem representatividade que não teve na infãncia Foto: Reprodução/Facebook

Outra que tem muita história para contar é a empreendedora Marina Tavares, de 34 anos. "Quando minha mãe morreu fiquei tão triste que precisava ocupar todo o meu tempo livre. Minha marca surgiu assim, como uma terapia para ocupar meu tempo livre", diz a designer que produz colares, brincos e pulseiras de nylon e algodão cru estilizadas com nós de marinheiro. De cores vibrantes, as peças trazem detalhes em metal, madeira e resina.

Ela é mãe solo e sempre trabalhou em lojas de shopping, mas começou a se questionar sobre o fato de se matar para enriquecer os patrões e não fazer nada por si. O passatempo virou atividade principal e Marina voltou para o curso de moda que havia trancado no passado. A empreendedora que também é mãe solo de uma menina de 12 anos agora dedica-se à marca que já nasceu colaborativa, feminista e um marco de seu recomeço.

Os colares de Marina Tavares são um marco do seu recomeço. Foto: Vinicius Souza/Divulgação

Sílvia Solange, de 51 anos, já foi vendedora de jazigos em cemitério aos 13, recepcionista num escritório de seleção e recrutamento de candidatos a emprego e ainda é funcionária pública. Há 2 anos é sócia da marca Kriolada. Sua única exigência na parceria foi que as roupas fossem feitas para mulheres GG. "Eu sou gorda, tenho amigas gordas, minha filha é gorda. Tenho que ter uma marca que nos represente na moda afrobrasileira."

A Kriolada tem peças do G1 até o G3 e Sílvia conta que é uma felicidade buscar modelagens que não "encaixotam" as mulheres plus size. "Quando diz 'eu to linda', sempre penso que a roupa é energia e por isso vale a pena esse sentimento." Se a peça não serve, é possível fazer ajustes. "O legal é que encontramos saídas incríveis. Tem uma  saia lápis, por exemplo, que tem cotton na parte de trás e tecido africano na frente. A  pessoa pensa que não vai caber, mas quando coloca modela corpo e ela sai satisfeita", diz Sílvia.

"Eu sou gorda, tenho amigas gordas, minha filha é gorda. Tenho que me sentir representada", diz Silvia Solange, da Kriolada. Foto: Reprodução/Facebook

Andréia Cândido, 46 anos, dona da marca Agbara, hoje trabalha com estampas de Adinkras, símbolos que representam conceitos ou aforismos africanos. "Na infância, meu sonho era ser artista plástica. Eu não sabia que era esse o nome da profissão, mas adorava todo tipo de arte manual.", lembra a empreendedora que é tecnóloga em Vestuário e trabalhou em diferentes confecções. Ela foi fazer graduação em Artes Plásticas quando já era mãe e suas estampas são a realização do antigo sonho de menina.

Andréia Cândido, de 46 anos, dona da marca Agbara. Foto Reprodução/Facebook

Neide Salles faz acessórios femininos, turbantes, faixas aramadas e vestuários adulto e infantil com tecidos e estampas que valorizam a cultura afro brasileira. "Comecei a trabalhar com moda afro há quatro anos porque amo o colorido", conta a empreendedora de 49 anos que começou vendendo cachecóis em feiras e festas da cidade. "Trabalhar de maneira colaborativa, numa loja, é outra coisa. Nos ajudamos em tudo, até na organização das peças no local. A crise está bem pesada, está difícil, mas juntas sei que somos mais fortes."

Neide Salles, de 49 anos, dona da marca que leva seu nome. Foto: Reprodução/Instagram

Marisa Brito, de 52 anos, da marca Las Hermanas, conta que história das bonecas Abayomi motivou a criação de sua marca. De acordo com relatos, para acalentar seus filhos durante as terríveis viagens à bordo dos tumbeiros, navios de pequeno porte que realizavam o transporte de pessoas entre África e Brasil, as mães africanas rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles criavam pequenas bonecas feitas de tranças ou nós. Símbolos de resistências, o termo Abayomi significa "encontro precioso".

Las Hermanas: Marisa e Elvira Brito, de 52 e 57 anos: inspiradas nas bonecas Abayomi, elas confeccionam peças de decoração que enaltecem a beleza negra. Foto:Reprodução/Facebook

Sem costura alguma, apenas nós ou tranças, as bonecas não possuem demarcação de olho, nariz, nem boca, isso para favorecer o reconhecimento das múltiplas etnias africanas. "Foi a partir desse conhecimento que começamos a confeccionar peças de decoração que buscam enaltecer a beleza da mulher negra", conta Marisa. Entre os objetos, há espelhos emoldurados com cabelos black estilizados em flores de crochê.

Ana Claudia Silva, de 34 anos, revendia bolsas e necessaires. Professora de escola pública desde 2009, vai se dedicar exclusivamente à marca Afra Acessório Essencial neste ano. "Com mentorias, cursos e experiência, percebi que eu tinha potencial para confeccionar as bolsas com meu estilo."As bolsas e mochilas executivas com detalhes em estampa afro têm preços que variam de R$ 100 a R$ 168,90 na loja colaborativa. Assista o vídeo para conhecer os produtos:

PARA SABER MAIS:
Evelyn Daisy Loja Colaborativa: Rua Itapeva, 187
Perto da Estação Trianon-MASP do Metrô de São Paulo
Tel: 11 – 96296-9306
@evelyndaisy.loja

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.