Cursinho da periferia tem creche para mães que querem entrar na faculdade
Com reportagem de Renata Leite, especial para o blog MULHERIAS
Bastou uma modesta sala de aula de escola pública aberta aos sábados, sem decoração ou frufrus, com o chão apenas forrado por plástico EVA, para que Nayara Gomes pudesse realizar o sonho de cursar medicina veterinária com bolsa de estudos de 50%. Mãe de duas crianças, ela não tinha com quem deixar os filhos para se dedicar ao vestibular. "Fiquei grávida aos 16 anos, meu pai me expulsou de casa, vivi um relacionamento abusivo e parecia impossível fazer faculdade", conta a repositora de restaurante que hoje, aos 28 anos, concilia trabalho, maternagem e o primeiro ano da vida universitária.
Nayara foi estudante do cursinho Carolina de Jesus, único preparatório de vestibular popular com creche em São Paulo. Gratuito, tocado totalmente por voluntários e sem auxílio financeiro governamental ou privado, o cursinho existe há quase 10 anos e há dois conta com creche. "Antes, eu deixava meus filhos com a minha mãe ou com a vizinha para poder assistir aulas mas não ficava o dia inteiro, apenas meio período. Com a creche, passei a levar meus filhos, ficava menos preocupada. Facilitou muito", explica a estudante que cursou o "Carol", como é carinhosamente chamado, por um ano e meio e conseguiu bolsa por sua pontuação no Enem.
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O Carol atende a cerca de 600 alunos e a porcentagem de aproveitamento, a partir de dados de 2014, é de 50 aprovações anuais, contabilizando universidades públicas e bolsas 100% em faculdades privadas. As aulas são ministradas aos sábados em horário integral das 8h45 às 18h, e o cursinho conta com duas unidades no extremo da zona sul da cidade, uma no Jardim Ângela e outra no Capão Redondo, bairros consideramos de alta vulnerabilidade social.
Essa região, de acordo com boletim CEInfo Análise – Gestação na Adolescência no Município de São Paulo com dados de 2017 –, publicado em 2019, concentram-se os maiores índices de filhos de mães adolescentes na cidade. A maioria das jovens mães são negras e pardas e ter acesso ao ensino superior é quase uma abstração.
A iniciativa da creche surgiu em 2017, quando a entidade identificou que muitas alunas abandonavam as aulas por conta de não ter como pagar um cuidador ou onde deixar crianças no sábado sem supervisão de um adulto. "Mas vimos que o problema não era apenas o cuidado com filhos. É aquela história: meninas de 11 anos na periferia podem ser 'mães' dos próprios pais ou irmãos. Isso é real e naturalizado, principalmente entre as alunas", conta Alexsandra Barreto, estudante de pedagogia e coordenadora da creche. "Por entender isso, ampliamos o auxílio para esses casos", completa a voluntária. A estrutura modesta, porém, exige que a alimentação fique por conta do responsável pela criança e, o cursinho só pode aceitar os pequenos desfraldados.
A creche do Carol deu nova perspectiva de vida da aluna Márcia Lima Marques, 17, que para estudar leva a sobrinha ao cursinho enquanto sua irmã, mãe da menina, trabalha aos sábados. Além da sobrinha, a estudante do 3º ano do ensino médio também cuida, desde seus 14 anos, de uma irmã com paralisia cerebral, já que a mãe não pode parar de trabalhar ou pagar alguém para cuidá-la.
Recém chegada ao cursinho, Márcia vai prestar vestibular para engenharia civil. A jovem enxerga que o processo de formação inclui o ensino formal e informal. "Na escola eu não aprendi metade do que estou vendo no cursinho. Fora que lá me sinto presa e cobrada. O Carol me fez ver além do que eu tinha pensado pro meu futuro, me fez ter a cabeça mais aberta para cada situação." Márcia conta que as aulas a ajudaram socialmente também. "Durante a semana tenho tanta coisa para fazer que mal tenho tempo para ter amigos. Aqui encontrei uma família."
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