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Legado do dia da não-violência contra a mulher já derrubou ditaduras

Flávia Martinelli

25/11/2019 04h00

Irmãs Mirabal (Foto: Acervo histórico)

Irmãs Mirabal: Patria, Minerva e Maria Teresa (Foto: Acervo Casa Museo Hermanas Miraba)

Por Ariane Silva, especial para o blog MULHERIAS

Hoje, 25 de novembro, Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, é uma data política mundial. A efeméride é celebrada desde 1981, a partir da realização do 1º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, e recebeu reconhecimento internacional em 1999 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Todos os 193 países-membros da entidade realizam manifestações e agenda especial de atividades pela vida das mulheres.

Os atos em todo o planeta relembram a história das irmãs Patria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, militantes que tinham uma longa trajetória de resistência e luta pelos direitos humanos quando foram assassinadas no dia 25 de novembro de 1960 pela ditadura de Rafael Trujillo (1891-1961), na República Dominicana, na América Central. As irmãs tinham entre 26 e 36 anos, 5 filhos entre elas, e foram estranguladas, espancadas e atiradas de um barranco para que o assassinato parecesse um acidente. A brutalidade causou indignação e foi o estopim para o processo que derrubou a ditadura de Trujillo.

Las Mariposas, como eram conhecidas, têm fortes relações com as lutas das mulheres brasileiras e de toda a América Latina. Em 1981, quando foi realizado o primeiro encontro em sua homenagem, o Brasil vivia os últimos anos da ditadura militar e as mulheres foram, corajosamente, às ruas reivindicar direitos. Em torno de duas bandeiras principais, a luta pela anistia e a luta contra a carestia – o aumento do custo de vida –  deram início as primeiros grupos feministas e a um processo de agitações populares que marcou o início da reabertura democrática no país.

Registro de manifestação do Movimento Custo de Vida (MCV), durante a ditadura civil-militar, organizado por mulheres (Foto: Reprodução Facebook)

Registro de manifestação do Movimento Custo de Vida (MCV), durante a ditadura civil-militar, organizado por mulheres (Foto: Reprodução Facebook)

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Hoje, estão esperadas marchas feministas que unem a bandeira pela vida das mulheres e a luta por direitos sociais e políticos. No Chile, mulheres seguirão presentes nos atos que, diariamente, há quase dois meses, reivindicam nova Constituição, aposentadoria e direitos sociais. Na Bolívia, indígenas indignadas com a tomada de poder por políticos que não foram eleitos, sairão em marcha em La Paz. No Brasil, há dezenas de atos também.

No Brasil, mulheres negras são as maiores vítimas da violência 

Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo, com uma média de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. Uma das bases da violência contra as mulheres diz respeito aos aspectos socioculturais de uma sociedade tradicionalmente patriarcal e de origem escravocrata, o que explica, inclusive, o alarmante número de mulheres negras vitimadas.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2018 e 61% delas era negra (soma de pretas e pardas, de acordo com classificação do IBGE). Outro estudo, do Atlas da Violência, mostra que diariamente 13 mulheres são assassinadas por dia no Brasil – 8 delas são negras. Outro dado assustador aponta que em dez anos, entre 2007 e 2017, houve aumento de 60% de homicídios de mulheres negras por em números absolutos.

Campanha da ONU Brasil 2019

Campanha da ONU Brasil 2019

Vítimas invisíveis  

É importante ressaltar, porém, a invisibilidade dos casos quando se cruza gênero e raça. Experimente fazer uma busca simples no Google sobre casos de feminicídio e violência doméstica contra mulheres negras no Brasil. Elas raramente as vítimas têm nome. Quase não há relatos de vida, contextos, depoimentos. Suas vidas muitas vezes se perdem antes que os registros venham à tona.

Por outro lado, é inegável a repercussão e as discussões em torno de alguns casos de feminicídio contra mulheres brancas e da elite. Os assassinatos da socialite Ângela Diniz e da cantora Eliane de Grammont, por exemplo, promoveram na sociedade na segunda metade anos de 1970, por exemplo. A indignação causada por suas mortes foi ponto de partida para campanhas de combate à violência contra a mulher que resultaram na criação da primeira Delegacia da Mulher.

A luta organizada das mulheres negras no Brasil

As agitações sociais na década de 80 abriram caminho para que novos grupos se organizassem em busca de direitos, com destaque para as mulheres negras: em 1988 foi realizado o 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, em Valença (RJ), que marca o início do feminismo negro no Brasil. O Encontro, realizado quase 10 após após o 1º Encontro Nacional Feminista, em Fortaleza (CE), foi motivado pela necessidade de levantar bandeiras específicas.

Campanha da ONU: As demandas do feminismo negro passam pelo enfrentamento do racismo

Campanha da ONU: As demandas do feminismo negro passam pelo enfrentamento do racismo

O movimento feminista negro defende o enfrentamento do racismo como ponto de partida para o combate da violação dos direitos das mulheres. A questão, portanto, não é só de gênero, só de raça ou só de classe, mas de todas elas juntas. É a chamada análise interseccional. Palavra-chave do movimento, esse tipo de abordagem mostra que as dificuldades da mulheres negras passam por problemas históricos relacionados ao racismo e às consequências da escravidão. Falta de acesso à moradia, educação e políticas públicas voltadas para suas necessidades, por exemplo, impactam diretamente em sua exposição aos casos de violência.

(Foto: Agência Brasil)

Quem tem a tarefa de formular e implementar políticas públicas precisa levar em consideração a falta direitos básicos e toda a cadeia de violações. "É política pela base, bem diferente do conforto de fazer política com eletricidade e água", ressaltou a socióloga e escritora norte-americana Patricia Hill, que esteve recentemente no Brasil para o lançamento em português de sua primeira obra, 'Pensamento Feminista Negro", mais de 30 anos após o seu lançamento original.

Se, no passado, a luta das mulheres por melhores condições de vida movimentou toda a sociedade e derrubou a ditaduras de Trujillo e a ditadura militar no Brasil, em 2019, uma nova geração de feministas vai às ruas, à frente das lutas por direitos e pela defesa da democracia no país. 

Em São Paulo, a concentração para o ato está marcada para as 16h, no Vão do MASP. Veja atividades que acontecerão no país e na América Latina:

25 de Novembro
São Paulo – SP: No vão livre do MASP a partir das 16h 
Campinas – SP: Praça José Bonifácio a partir das 16h 
Rio de Janeiro – RJ: Na Assembleia Legislativa a partir das 17h 
Belo Horizonte – MG:  Praça Sete a partir das 18h 
Porto Alegre – RS:  Na esquina democrática (Borges de Medeiros X Rua dos Andradas) a partir das 18h
Fortaleza – CE: Concentração 15h, em frente ao Shopping Benfica

EM OUTROS PAÍSES

25 de Novembro:
Santiago de Chile, Chile
San José, Costa Rica
San Salvador, El Salvador: Salvador del Mundo, 8h
Asunción, Paraguai: Plaza de las Mujeres (Plaza Italia), 17h
Lima, Peru
Hato Rey, Porto Rico
Mais informações: http://www.feministas.org/movilizaciones-2019-25noviembre.html 

Cartaz da Onu 2019

Cartaz da Onu do Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher 2019

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.