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Mulheres da periferia apostam em cursos grátis para trabalhar em tecnologia

Flávia Martinelli

24/07/2020 04h00

(Foto: Getty Images)

Por Victória Durães, especial para o blog MULHERIAS

Redes sociais, notícias, aplicativos, músicas, filmes, memes, trabalho remoto, conversa com os amigos… É a internet e as tecnologias que dão vida a tudo isso. Mesmo com toda a crise de empregos, o mercado de trabalho nessas plataformas é dos que mais cresce atualmente. Diversas profissões da área estão em ascensão, a maioria delas não exige diploma de ensino superior para o início de carreira. Nas empresas, há interesse em recrutar mulheres e incluir diversidade nas equipes. Para animar ainda mais, o salário inicial tem média de R$ 2.978, de acordo com o site Glassdoor, que avalia empresas a partir de relatos de funcionários.

"A área de tecnologia é gigante! Há muitas oportunidades que incluem programação ou não. Você pode trabalhar com teste, pode ser front-end [nome dado às profissões que tratam de tudo o que se enxerga nas telas], back-end [funções que cuidam das conexões que estão por trás do que vemos nas telas], gerenciar projetos, organizar equipes… As possibilidades são muitas, e tudo isso ainda é a área de tecnologia", explica Telma Cristina Gabriel.

Aos 38 anos, há apenas dois meses ela conquistou seu objetivo e saiu dos Correios, onde trabalhou como funcionária pública por 18 anos, para iniciar sua carreira no mercado de Tecnologia da Informação (TI). Telma agora é assistente de qualidade (QA, do inglês quality assurance) – responsável por realizar testes automatizados dos sistemas que são desenvolvidos em uma consultoria.

Telma durante o curso que mudou o rumo de sua carreira (Foto: Acervo pessoal)

Ainda que a transição de sua carreira tenha começado em 2013, quando conseguiu uma bolsa de estudos para fazer faculdade de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, a oportunidade que esperava não veio com o diploma universitário. A virada aconteceu com um curso de graça e intensivo de seis meses, chamado bootcamp, que ensina programação para mulheres.

Telma participou do projeto promovido pela ONG Reprograma, que tem foco em aumentar o equilíbrio de gênero na área de tecnologia. Atualmente, apenas 13% desse mercado é composto por mulheres  A entidade promove workshops para quem tem pouco ou nenhum conhecimento em programação e desenvolvimento a cada três ou quatro meses e, a partir daí, seleciona candidatas para os cursos semestrais. (Ao final da reportagem, confira lista dessa e outras entidades que  oferecem cursos gratuitos)

"A experiência foi muito importante, encontrei no grupo mulheres de várias etnias e idades, das mais novinhas até as de mais de 40 anos. A maioria não era da área de tecnologia, então estávamos todas no mesmo barco", recorda a "QA", do tal "quality assurance", que designa a função em controle de qualidade, que não se intimidou com os termos em inglês que a área costuma usar. "Eu já tinha ouvido algumas coisas na faculdade, mas como não trabalhava na área, era como se estivesse estudando e vendo tudo pela primeira vez. Isso foi muito impactante e fez toda a diferença. Além disso, a rede de apoio e a troca de experiências no grupo foi muito gratificante", conta Telma, que é moradora de Pirituba e tem um filho.

Também foi por meio de um curso gratuito que Yasmim Barbosa Vieira, 18 anos, conseguiu seu primeiro trabalho na área tecnológica. Logo após terminar o ensino médio, participou de cinco semanas de aulas de Desenvolvimento Web na Estação Hack. Promovida pelo Facebook, a iniciativa oferece cursos, palestras e workshops gratuitos de programação, desenvolvimento de aplicativos, inovação e preparação para o mercado de trabalho. Há muitas vagas, muitas mesmo, distribuídas ao longo de 2020.

Para Yasmim, bastaram quatro meses e meio de procura para conseguir o emprego de Desenvolvedora Trainee. "Eu tinha apenas aquele curso e para vagas júnior as empresas pediam conhecimento de coisas que eu não sabia. Mas para ser trainee me pediam basicamente HTML, CSS e JavaScript, que eu tinha aprendido na Estação Hack." 

Yasmim, de 18 anos, fez um curso gratuito de cinco semanas na Estação Hack e virou trainee depois de quatro meses e meio de busca (Foto: Arquivo pessoal)

Há duas décadas no mercado, a engenheira de dados especializada em banco de dados e influencer tecnológica Danielle Monteiro observa  com alegria as transformações na área ao longo dos anos. Quando começou, não haviam muitas comunidades nem cursos rápidos nas redes. "Então, eu não tinha com quem contar e chorava sozinha. Hoje nós temos várias comunidades exclusivas para mulheres ou para pessoas negras, então é mais fácil a gente ter uma rede de apoio, compartilhar nossos medos e inseguranças com outras mulheres e ser acolhida."

As comunidades que permitem a troca de experiências ajudam quem chega na área a fazer contatos. Isso fez toda a diferença, por exemplo, para Telma conseguir sua primeira oportunidade na área. Outra maneira de acessar esse mercado é frequentar eventos (geralmente chamados de meetups e que, atualmente, por causa da pandemia, ocorrem aos montes online)."Nesse encontros, é possível conhecer pessoas com interesses semelhantes e que, muitas vezes, estão no mesmo ponto da carreira e passando pelas mesmas dificuldades e de olho nas oportunidades", completa a experiente Dani. 

Há 20 anos no mercado, a engenheira de dados Dani Monteiro recomenda a participação em comunidades para fazer contatos e buscar apoio. Para ela, a graduação continua sendo importante para quem quer crescer e alcançar cargos mais altos na área. "É legal pensar nisso no longo prazo, principalmente quando você vem da periferia e faz parte de uma minoria. Ainda precisamos nos provar" (Foto: Arquivo pessoal)

Em comum, as três profissionais recomendam constante aprendizado e compreensão do que chamam de "a lógica da programação". Telma explica que diferentes linguagens do mundo tecnológico podem mudar, "mas existem os conceitos gerais que são a base de tudo. De todo modo, ser flexível e não se limitar é muito importante". 

Yasmim concorda e sua dica a quem chega na área é ter disposição para aceitar desafios: "Conheço pessoas que têm receio de muita coisa, mas é bom tentar coisas que às vezes achamos que não conseguimos fazer. Não é fácil, sabe? Não vou mentir. Mas vale o esforço, é um mercado valorizado, que tende a se valorizar cada vez mais", diz a jovem que sonha em trabalhar no Google. 

Dani, por sua vez, deseja ver cada vez mais mulheres mudando de vida como ela. "Não tive privilégios nem facilidades para trilhar esse caminho, minha mãe era copeira hospitalar, vim de escola pública, entrei em uma universidade pública por não ter condições de pagar uma particular." A carreira em tecnologia mudou sua condição financeira, social e a fez conhecer outros países. "É essa a minha luta e por isso que eu faço e dou cursos, palestras, participo das comunidades. Quero que outras possam ter suas vidas transformadas. Quando mudamos a vida de uma mulher, mudamos a vida de todos que estão ao redor dela".

DICAS DA INFLUENCER DANI MONTEIRO PARA APROVEITAR O MERCADO TECH

Seja qual for o momento da sua trajetória profissional, para alcançar cargos mais altos na área de tecnologia é fundamental estudar. A boa notícia é que existe muito (muito mesmo!) conteúdo gratuito, tanto online quanto presencial. Cursos, eventos, palestras: tudo de graça para ajudar toda a comunidade de tech crescer. "A área de tecnologia não é simples e eu acho que nunca será, até porque ela se renova constantemente e está sempre te desafiando a aprender coisas novas e enfrentar problemas novos", explica a influencer Dani Monteiro. 

Atualmente ela participa ativamente da comunidade WoMakersCode, nos grupos de meetup Databases SP e .NET São Paulo . Dani criou também o blog DB4Beginners, no qual oferece conteúdo para quem é iniciante na área de banco de dados e o Dani Academy, uma plataforma de ensino que em breve terá diversos cursos sobre engenharia e arquitetura de dados. 

CURSOS GRATUITOS E INSTITUIÇÕES PARA COMEÇAR SUA JORNADA 

WoMakersCode – Criada em 2015, a iniciativa é a maior comunidade busca fortalecer o protagonismo feminino na TI através do desenvolvimento profissional. A partir de sábado (25 de julho), há inscrições abertas para o curso Primeiros passos em programação front-end. Aproveite! 

WoMakersCode: a maior comunidade de tecnologia, formada por mulheres, da América Latina.

Elas Programam – Negócio de impacto social criado com o propósito de promover a empregabilidade e permanência de mulheres no mercado de tecnologia. Inscrições abertas até 29/7 (quarta-feira) para bolsas integrais no Gama Experience #35 online nas áreas de Desenvolvimento front-end e UX/UI Design 

Minas Programam – Criado em 2015, a iniciativa foi pensada para promover o ensino de programação para mulheres, priorizando mulheres negras e indígenas. Sem inscrições para novos eventos no momento, mas fique de olho que surgem oportunidades. 

Laboratória – Organização sem fins lucrativos que oferece cursos de programação e desenvolvimento front-end para mulheres em São Paulo. Inscrições abertas até 9/8 (domingo) para curso de Desenvolvimento front-end.

Laboratória tem processo seletivo para o bootcamp em programação para mulheres

Generation – Organização sem fins lucrativos que apoia jovens a construírem suas carreiras na área de tecnologia através de cursos integrais que trabalham tanto conhecimentos de programação quanto habilidades socioemocionais. Inscrições abertas para o curso de Desenvolvedor Júnior.

Curso gratuito de Desenvolvedor começa em setembro em São Paulo

PerifaCode – Comunidade que reúne pessoas que moram em periferias, favelas e guetos do Brasil para criar uma rede de apoio e levar a vivência em programação para o mundo periférico. Não há inscrições para novos eventos no momento mas vale a pena seguir essa galera! 

Pyladies – Grupo internacional de mentoria com foco em incluir mais mulheres (cis, trans e não-binários) na comunidade de TI por meio da linguagem de programação Python. Sem inscrições para novos eventos no momento.

 

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.