Mulherias http://mulherias.blogosfera.uol.com.br Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Fri, 11 Sep 2020 07:00:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O legado do best-seller “Quarto de Despejo” na vida das mulheres negras http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/09/11/o-legado-do-best-seller-quarto-de-despejo-na-vida-de-mulheres-negras/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/09/11/o-legado-do-best-seller-quarto-de-despejo-na-vida-de-mulheres-negras/#respond Fri, 11 Sep 2020 07:00:55 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4879 Carolina Maria de Jesus com o livro "Quarto de Despejo" que acaba de completar 60 anos de sua publicação (Foto: Divulgação)

A escritora Carolina Maria de Jesus com o livro que acaba de completar 60 anos de sua publicação (Foto: Divulgação)

Com reportagem de Jéssica Ferreira, especial para o blog MULHERIAS

De Sacramento, município de Minas Gerais, onde nasceu em 1914, à Favela do Canindé, na zona Norte de São Paulo, Carolina Maria de Jesus muito alimentou o sonho de viver numa “casa residível”, de tijolos, em alvenaria, com banheiro, cozinha, copa. Chegou a registrar em seu diário o sonho de estar sentada diante de uma mesa, com toalha “alva ao lírio” e mais de um bife à disposição, além de pão com manteiga, batata frita e salada. Ela conseguiu a moradia digna. E foi por meio da escrita; o que por si só, foi algo revolucionário para uma mulher negra, ex-catadora de papel, no Brasil dos anos 1960. Mas não apenas.

Em meio ao excludente processo de urbanização, a escritora e compositora ousou escancarar, pela primeira vez, o olhar “de dentro” dos que viviam à margem do que chamavam de modernização. Os 60 anos de publicação de sua obra mais famosa, “Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada”, mostram que o livro segue em sua missão disruptiva: dar coragem a outras tantas Carolinas, espalhadas por milhares de periferias do Brasil, a fazer de seu cotidiano arte e denúncia.

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“Quarto de Despejo” –que além do formato em diário se transformou em peças teatrais, poemas, cartas, composições musicais, quadros, fotos, ilustrações e até provérbios– é fonte para milhares de construções artísticas coletivas, individuais e manifestações variadas das vozes das quebradas. Carolina Maria de Jesus, por sua vez, dá nome a cursinhos, teatros, saraus, coletivos de literatura e jornalismo. Sua importância é revivida, obviamente, por várias gerações de escritoras negras brasileiras. 

Ilustração sobre foto de Carolina Maria de Jesus e Ruth de Souza por Isabela Alves (@frobela_)

Ilustração da artista plástica Isabela Alves (@afrobela_) sobre foto com Carolina Maria de Jesus e a atriz Ruth de Souza, que interpretou a escritora no teatro, na Favela do Canindé: inspiração de artistas para negras de diferentes gerações

Em homenagem a esse legado, 210 mulheres negras participaram, de maneira remota, do processo formativo “Uma revolução chamada Carolina”, que acaba de ser concluído. A atividade é parte da FLUP – A Festa Literária das Periferias, festival carioca que desde 2012 reúne artistas e escritores do mundo inteiro para dialogar sobre a potência da literatura nas periferias. 

Ao longo de 14 semanas, painéis on-line reuniram escritoras e escritores, majoritariamente pretos. Entre os debates houve a revisão das críticas elitistas sob as produções de Carolina e ressaltou-se a importância de se multiplicar as narrativas e produções artísticas sufocadas pelo racismo, sexismo e questões de classe. 

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A escritora Heleine Fernandes, de 35 anos, doutora em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi uma das participantes da formação. Ela conta que o epistemicídio, termo que define o apagamento intelectual das contribuições africanas e indígenas, dificulta o reconhecimento da grandeza literária da obra de Carolina Maria de Jesus. “Ela trabalhou literariamente muito bem o ‘pretuguês’, ou seja, esse português afro-diaspórico, enriquecido pela sintaxe e vocabulário de línguas africanas”, explica Heleine, que faz referência ao termo cunhado por outra intelectual e educadora, e também antropóloga negra brasileira, Lélia Gonzales (1935-1994).

Dificuldade para apreciar o ‘pretuguês ou racismo linguístico?

Quarto de Despejo vendeu 100 mil cópias ainda na década de 1960, ultrapassando na época as vendas de escritores como Clarice Lispector (1920 – 1977) e Jorge Amado (1912 – 2001), seus contemporâneos. A obra, no entanto, sempre causou incômodo na elite acadêmica e intelectual.

Doutora em literatura e escritora, Heleine Fernandes, nasceu e foi criada na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Além do “mutirão familiar” para apoiar seus estudos, ela teve como inspiração a obra “Quarto de Despejo” para superar momentos de dificuldade no elitizado mundo acadêmico (Foto: Acervo pessoal)

“A oralidade é vista com muito preconceito. É curioso, porém, o reconhecimento do valor estético dessa característica na obra de Guimarães Rosa (1908 – 1967), por exemplo, cuja linguagem é resultado de uma coleta de fenômenos linguísticos presentes na fala de sertanejos da região do interior de Minas Gerais, mesmo Estado de origem de Carolina”, cita Heleine. “É adequado, então, falar em um racismo linguístico para entender este a dificuldade em apreciar o ‘pretuguês’”,  pontua a especialista, cuja tese de doutorado trata de obras subestimadas de poetas negras.

“É uma coragem que ri dos desencontros e desilusões sem entregar os pontos. E ainda nos ensina a sonhar”

Heleine se reconhece em Carolina. Reler “Quarto de despejo” sempre foi um estímulo nos momentos de dificuldades de sua vida acadêmica. “Esse livro me revolucionou em momentos diferentes da vida. Sempre me admirou a coragem dessa mulher em contar sua história de maneira tão crua e digna ao mesmo tempo!” Para a jovem escritora, a obra de Carolina também ensina a sonhar. 

Além da casa em alvenaria, “Quarto de Despejo” mostra o desejo de Carolina de ver cada filho na escola, ter roupas novas e tranquilidade para escrever. Entre 1955 e 1960, mãe solo de três crianças, ela buscava no lixo sua sobrevivência. A fome presente, todos os dias, de maneira insistente, aparece no livro como um personagem dos relatos rabiscados em cadernos que fazia com capricho e dedicação. Mas Carolina, ainda assim, sonhava além.

Prólogo do caderno “Um Brasil para os brasileiros”, do Instituto Moreira Salles, publicado postumamente no livro “Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus” (Foto: Arquivo Carolina Maria de Jesus / Acervo IMS)

“Os sonhos são muito importantes para as populações exploradas, no Brasil basicamente os descendentes de africanos e indígenas, pois eles devolvem a perspectiva de futuro e a conexão com o passado e a ancestralidade. O sonho humaniza”, diz Heleine, que já realizou alguns dos seus, como sair da favela e ter uma vida confortável para ler e se dedicar à escrita. “Sigo em busca de uma vida de escritora e a formação de uma biblioteca para meus filhos e netos.”

Mas o sonho insurgente com o qual mais convive é o de transformar vidas de pessoas negras, periféricas e indígenas por meio da educação. “Sonharei com isso ao longo de toda minha vida, me faz lembrar de Carolina, que desejava empoderar seus pares através da escrita e da leitura, tendo total dimensão de que estes são instrumentos de poder”, pontua a professora, que tem entre ex-alunos de pré-vestibulares populares bacharéis, mestres e doutores em universidades públicas.

“Carolina se tornou alguém da nossa família”

Para a jovem Fabiane Marques, de 17 anos, poeta e pesquisadora de Macaíba, cidade do Rio Grande do Norte, o sentimento de viver dentro de um quarto de despejo atravessa gerações de mulheres da sua família materna, que é da roça e vive da agricultura. “Aquilo era o limite, não existiam outras alternativas de vida para elas. Não existia um olhar para além do horizonte. Elas se sentiam isoladas, despejadas no aspecto de não poder sonhar em ter uma outra oportunidade a não ser a da vida no roçado e na máquina de costura”, revela a garota, que fez parte do grupo de formação de escritoras negras.

A poeta Fabiane, de 17 anos,  se questiona:“seria o quarto de desejo o roçado, a posição da mulher diante do homem, seu próprio corpo aprisionado em padrões, comportamentos ou sua voz silenciada?”(Foto: Acervo pessoal)

Para a Fabiane, o livro de Carolina é um “grito” que se sobressai ao silêncio de vidas isoladas e esquecidas nas periferias. “O querer ser ouvida é o que torna o Quarto Do Despejo revolucionário”, opina. Ela acredita que o livro é um impulso para mulheres negras de diferentes gerações. “Dividi o meu exemplar com a minha mãe e encontramos muitas semelhanças com nossas parentas. Carolina se tornou alguém da nossa família.”

Mãe de Fabiane, Cristiane, lendo o livro dado pela filha. “Encontramos muitas semelhanças com nossas parentas”, diz a jovem (Foto: Acervo pessoal)

“Carolina e o Quarto de Despejo me tiraram da gaveta”

Aos 60 anos, Fátima Regina, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, conta que em seus sonhos a escritora Carolina Maria de Jesus é uma mestra, uma sábia, a griô, de um quilombo chamado favela. “Mas lá existem escolas, uma prefeitura funcionando, praças, calçadas, universidade, recolhimento de lixo, árvores frutíferas, hortas imensas.” Nesse quilombo estaríamos protegidos do medo e da realidade que enfrentamos. “Carolina seria nossa professora, instrutora, pensadora.”

Fátima é poeta, compositora, profissional da gastronomia e ativista social mas revela que foi um desafio assumir a própria intelectualidade, que a acompanha desde a infância. Filha do poeta e compositor Estanislau Farias, que tocava cavaquinho, participava de rodas de samba e escrevia enredos para escolas, a dificuldade é fruto do racismo. “Tudo o que eu sonhava acabava na gaveta. Carolina e o Quarto de Despejo me tiraram da gaveta”.

Nascida em Bagé, interior do Estado, Fátima viveu a infância num quintal grande, com três casas, e enfrentava uma “pobreza normalizada”, algo como ficar sem comer o suficiente por alguns dias. Se mudou ainda jovem para a capital em busca de uma vida melhor. “Carolina se tornou minha guia espiritual, um Aurélio [o dicionário]. Às vezes, tenho dúvidas sobre meu pertencimento enquanto mulher negra nesse espaço geográfico que habito. Aí leio de novo o livro, e de novo, e de novo, e ela me conforta”, diz com um sorriso no rosto, animada.

A revelação constrasta com a energia e entusiasmo habituais de Fátima. Ela não é do tipo que desanima. Com um amigo, o ator Alex Pantera, há cerca de dois anos organiza o projeto “Geladeiroteca Bom Jesus 470”, que oferece mais de 300 livros sem prazo de devolução no bairro mesmo nome no fim da linha do ônibus que atende a região. 

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Geladeiroteca da Bonja 470

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A poeta Fátima Regina conta que Carolina a deu  coragem para assumir sua intelectualidade. “De uma forma brutal (no bom sentido), as mãos pretas de Carolina me empurraram para fora da gaveta”. Hoje, com livro publicado, carrega ele e “Quarto de Despejo” para todos os lugares e slams que participa (Foto: Acervo pessoal)

Além da escrita, Fátima e Carolina também se encontram nas composições musicais. Assim como a autora de “Quarto de Despejo”, Fátima adora samba e milongas. A autora lança seu primeiro livro, Mel e Dendê (editora Libretos), ainda neste ano. Cozinheira de mão cheia, entre um gole no chimarrão e um olho na panela, cantarola e escreve.

Carolina por sua vez, narra em seu diário de favelada do dia 13 de agosto a presença cotidiana dos textos ao lado do fogão: “Eu estava escrevendo, esperando o arroz secar. Guardei o ca­derno e fiquei girando, procurando o João.” E assim detalha um episódio do best-seller, que registrou questões sociais que atravessam tempos.

O Brasil fragmentado e indiferente às condições precárias das favelas, cortiços, ocupações e periferias dos anos 1960 ainda não mudou. Mas a potência da narrativa autorizou e segue autorizando mulheres como Fátima a se “inscrever” no mundo da literatura.

E, assim, enquanto Fátima sonha com sua favela-quilombo de cidadania e diretos, em “Quarto de Despejo” Carolina na realidade revela um pesadelo infelizmente muito presente:

“21 de Maio – Passei uma noite horrivel. Sonhei que eu residia numa casa residivel, tinha banheiro, cozinha, copa e até quarto de criada. Eu ia festejar o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu ia comprar-lhe umas panelinhas que há muito ela vive pedindo. Porque eu estava em condições de comprar. Sentei na mesa para comer. A toalha era alva ao lírio. Eu comia bife, pão com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei. Que realidade amarga! Eu não residia na cidade. Estava na favela. Na lama, as margens do Tietê. E com 9 cruzeiros apenas. Não tenho açúcar porque ontem eu saí e os meninos comeram o pouco que eu tinha.”

Para saber mais: 

  • Carolina Maria de Jesus tem parte de seu acervo aos cuidados do Instituto Moreira Salles e será motivo de uma exposição que o IMS de São Paulo prepara para 2021. “Um Brasil para os brasileiros”, nome escolhido para o evento, terá atualizações aqui.
  • Ouça as 12 faixas do disco “Quarto de despejo”, com músicas que ela mesma compôs, no programa especial em homenagem ao centenário de Carolina na Rádio Batuta.
  • Os 14 encontros do ciclo de debates “Uma revolução chamada Carolina” está integralmente no canal da FLUP – A Festa Literária das Periferias no YouTube. Os painéis contam com alguns dos mais relevantes nomes da literatura negra brasileira, como Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves e Eliana Alves Cruz, que discutem a presença e o legado da autora do livro mais importante escrito por uma mulher negra brasileira. Abaixo, a filha de Carolina Maria de Jesus, Vera Eunice de Jesus, fala da relevância da obra de sua mãe para o país e para as mulheres negras.

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Conheça 11 livros sobre educação sexual e segurança íntima para crianças http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/09/04/conheca-11-livros-sobre-educacao-sexual-e-seguranca-intima-para-criancas/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/09/04/conheca-11-livros-sobre-educacao-sexual-e-seguranca-intima-para-criancas/#respond Fri, 04 Sep 2020 07:00:09 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4852 Somente a informação poderá transformar o caos de ser mulher (e mãe, criança ou adolescente) no Brasil. Foi pensando nisso que o coletivo Caos.a tem indicado, aos domingos pelo Instagram, livros para falar sobre segurança íntima sob a perspectiva infantil. 

Usando sempre linguagem simples e objetiva, o grupo Caos.a é formado por oito profissionais de diferentes formações, entre elas a mãe e jornalista Ana Sharp e a mãe e digital influencer Bárbara Thomaz, e tem como objetivo debater questões ligadas à ameaça de perda de direitos históricos que alinham o Brasil a países com posturas fundamentalistas na Organização das Nações Unidas. “É uma pauta que não pode passar despercebida”, aponta Ana, idealizadora do projeto e cofundadora do coletivo. 

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Cartilha explica abuso sexual para crianças e dá dicas de como se proteger

“Jesus apóia o feminismo”

Três listras de livros, 11 deles abaixo, mostram como puxar assunto sobre situações de abuso com crianças e adolescentes. O tema, extremamente delicado, exige conversas conduzidas com cuidado. As obras ajudam a prevenir, identificar a violência e são guias de conduta para responsáveis e familiares. 

1 – “Não me toca, seu boboca”, de Andrea Viviana Taubman

Dá à criança instrumentos para reconhecer uma situação de abuso e se proteger. Sem abrir mão de toda a leveza que uma história infantil pede, Tauban aborda com eficiência esse tema tão difícil. Essa publicação da Editora Aletria ainda conta com as belas ilustrações de Thais Linhares.

2 – O Segredo de Tartatina, de Alessandra Rocha Santos Silva, Cristina Fukumori e Sheila Soma

Um dos grandes aliados da violência é o segredo. Foi pensando nisso que o livro conta de forma lúdica a história da tartaruga Tartarina, que foi vítima de abuso sexual e, por sentir medo, não consegue contar para ninguém. Escrito por psicólogas clínicas, Este livro é super recomendável porque traz de forma lúdica e didática ensinamentos de como identificar casos de abuso sexual e o que deve ser feito nessas situações.

 

3 – Pipo e Fifi, de Caroline Arcari

A obra da pedagoga e mestre em educação sexual conta a história de dois monstrinhos, uma menina e um menino. Ao narrar a diferenciação do toque afetivo e do abusivo, este livro ensina o que é mais importante: como se proteger e conceitos básicos sobre o corpo. Indicado para crianças a partir de 3 anos de idade

4 – A mão boa e a mão boba, de Renata Emrich

Como diferenciar toques amigos de toques abusivos?  Em “A mão boa e a mão boba” a autora narra através de uma  linguagem simples e educativa esse discernimento tão tênue e necessário para a proteção de crianças e adolescentes.

5 – Eu me protejo, de Patricia Almeida e Neusa Maria

A cartilha faz parte do projeto “Eu me protejo“, que tornou a prevenção à pedofilia acessível a todos. Gratuita e com excelentes ilustrações, além de orientar as crianças a se protegerem de um possível abuso, a obra também os ensina a contarem para um adulto ou responsável, se algo acontecer. Disponível para download aqui em versões em Libras, Português e Espanhol. Faixa etária : indicado para toda a família, educadores e protetores.

5 – Sem mais segredo: Juju uma menina muito corajosa, de Ana Cláudia Bortolozzi, Dárcia Amaro Ávila, Juliana Lapa Rizza e Raquel Baptista Spaziani

Juju é uma menina alegre que vê sua vida mudar ao ter que guardar um segredo. O livro ajuda as crianças pequenas a reconhecerem uma situação de abuso e ensina como agir em tais situações.

6 – Segredo Segredíssimo, de Odívia Barros

 

Aborda através da história de amizade entre duas amigas, a importância de se manter um diálogo aberto e a real importância das crianças estarem bem informadas para contar aos adultos quando o abuso ocorre. O livro fala também sobre afeto e acolhimento da família no momento pós-abuso. Voltado ao público infantil na faixa etária de 06 a 12 anos.

7 – Meu corpo é especial, de Cynthia Geisen e R. W. Alley

Um guia para que a família converse sobre abuso sexual. O livro ainda conta com um pequeno questionário com perguntas para saber em que nível está a compreensão da criança sobre esse assunto. Livre para todos os públicos.

8 – Meu corpo, meu corpinho, de Roseli Mendonça e Sidney Meirelles


Neste livro a criança entrará em contato com conceitos primordiais para se defender: privacidade, integridade física e proteção. Os autores apresentam de forma lúdica a importância de  saber dizer “não” e como é fundamental que pais e filhos mantenham um diálogo aberto. Recomendado para crianças acima de dois anos.

9 – Leila, de Tino Freitas com ilustrações de Thais Beltrame


Conta a história de uma baleia que graças ao seu diálogo aberto com amigos consegue se libertar de seu agressor e voltar a nadar feliz. Ambientado no fundo do mar, esse livro é muito importante porque alerta para a principal ferramenta que os abusadores usam: o pacto de manter tudo em segredo. Leila ainda traz ilustrações belíssimas, aborda o tema com absoluta delicadeza e é indicado para crianças a partir dos 8 anos de idade.

10 – Tuca e Juba  – Prevenção de violência sexual para adolescentes, de Julieta Jacob

 “Com personagens com a mesma diversidade do que encontramos na realidade e ilustrações que incluem o universo visual das redes sociais, essa narrativa traz uma reflexão sobre auto-estima e consentimento sendo assim, imprescindível para a prevenção à violência sexual. Recomendado para adolescentes

11 – Tom, Elis e Chico, de Mônica Mota com ilustrações de Lia Britto

Tom, Elis e Chico conta a história de três irmãos que após sofrerem abuso sexual perdem toda a alegria que tinham.  Este livro serve como base para alertar e conscientizar pais e educadores. Indicado para crianças de 4 a 10 anos.

Informar é prevenir!

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Visibilidade lésbica: escancarar a sapatonice é lutar por felicidade http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/28/visibilidade-lesbica-escancarar-a-sapatonice-e-lutar-por-felicidade/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/28/visibilidade-lesbica-escancarar-a-sapatonice-e-lutar-por-felicidade/#respond Fri, 28 Aug 2020 07:00:26 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4815 Com reportagem de Ariane Silva, lésbica com orgulho, especial para o blog MULHERIAS

Contra a solidão, beijo na boca no meio da rua e rolê sem medo com as amigas sapatão. É esse um resumo do desejo que une as mulheres lésbicas do Brasil inteiro amanhã, 29 de agosto, no Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Para elas, ser visível significa existir para a sociedade, ter amigas, companheiras, não se sentir sozinha nem desamparada. Ser lésbica, para as mulheres que participam das ações que buscam explicitar sua existência, vai muito além de se relacionar com mulheres. É fazer parte de uma trajetória de vida focada nessa forma de amar. É motivo de muito orgulho.

Neste agosto, talvez suas mídias sociais tenham se enchido de lilás, cor eleita pelas lésbicas para representar o movimento das mulheres que amam mulheres. Mas é provável que, assim como em outros anos, a pauta não tenha chegado até você. Várias marcas e empresas que aproveitaram o mês de junho para ostentar a bandeira do Orgulho LGBT não fizeram postagem sobre o agosto. Aplicativos de transporte não mudaram a cor dos carros para mostrar a bandeira lésbica. E as Caminhadas Lésbicas, que já são pequenas em número e em participantes, estão em casa, obviamente, por conta da pandemia. 

Ainda assim, a luta por visibilidade continua e a importância dessa bandeira faz toda a diferença na vida de quem quer, apenas, ser feliz do jeito que é. Conheça as histórias de três mulheres lésbicas que explicam a o quanto faz diferença explicitar sua existência e seu direito ao amor, às políticas públicas, aos espaços de acolhimento e ao respeito de toda a sociedade. 

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“Toda mulher pode ser lésbica; é uma opção política”

Juntas elas são mais fortes

Foi um anúncio na finada rede social Orkut que abriu as portas do caminhão para Marcelle Fonseca, hoje aos 37 anos. A advogada mineira de Vespasiano, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, tinha então 18 anos e ficou interessada em conhecer a sede da Associação Lésbica de Minas (ALEM), entidade que organizou a primeira Parada do Orgulho Gay em Minas Gerais, em 1997. Marcelle, ao se unir ao grupo, encontrou mulheres jovens como ela interessadas em fazer política e lutar por direitos. 

“Eu me entendi lésbica muito jovem, tinha catorze anos quando vivi uma grande paixão por uma mulher que era minha colega de escola, mas não me sentia parte da comunidade”, relembra. A visita à entidade proporcionou, pela primeira vez, ter um grupo de amigas lésbicas e contato com mulheres que amam mulheres fora a própria namorada. A ALEM, associação histórica, organizou a Caminhada da Visibilidade Lésbica até seu encerramento, em 2012. Hoje o evento chama-se Caminhada de BH é organizada por outros coletivos.

“Não foi fácil a descoberta de ser lésbica. Por ser de uma cidade pequena, não tinha referências, não tinha amigas”, conta Marcelle que aos 18 anos entrou em contato com a associação que passou a organizar a histórica Caminhada de BH. Ela completa 38 anos no mês que vem, mas a celebração começou um mês antes, no agosto das lésbicas (Foto: Arquivo pessoal)

Quando o jornal “chanacomchana” foi proibido

Toda mulher que ama uma mulher sabe: entender-se lésbica é se tornar herdeira de uma história apagada, que não é contada nas famílias nem nas escolas. É preciso procurar, principalmente com outras lésbicas, as histórias do passado. 

Uma delas marca o dia 19 agosto, o Dia do Orgulho Lésbico. Foi quando as militantes do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), em 1983, foram às ruas protestar porque o dono do Ferro’s bar , um point lésbico, as proibiu de vender o jornal “Chana com Chana” no local. 

Registro protesto no Ferro's Bar em 1986 (Foto: Ovidio Vieira/Folha imagem)

Registro do protesto no Ferro’s Bar em 1986 (Foto: Ovidio Vieira/Folha imagem)

Indignadas pela violência na expulsão do bar, as militantes do GALF, acompanhadas por grupos feministas e apoiadores, leram um manifesto contra a repressão e defenderam os direitos das lésbicas. Vale lembrar: o Brasil estava em plena Ditadura Militar.

O jornal Chanacomchana, lançado pelo GALF em 1981 circulou até 1987 (Reprodução)

Outra história do passado, que amanhã completa 24 anos, entrou para o calendário por conta da realização do 1º Seminário Nacional de Lésbicas, o Senale, em 1996. O evento reuniu lésbicas pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro e se transformou no maior encontro deliberativo de lésbicas e bissexuais do Brasil.

SENALE em 2006: questionamentos sobre os padrões culturais pré-estabelecidos e propostas de rompimento com o padrão heteronormativo socialmente aceito é o que ainda hoje pauta do Dia da Visibilidade Lésbica (Acervo Senale)

Resiliência: um lema para as vidas lésbicas

A terapeuta ocupacional Gisela Queiroz, de 56 anos, destaca o quanto  era solitário lidar com o lesbianismo antes dessas iniciativas e da internet. “Eu tinha 10 anos em 1974 e já começava a perceber algumas coisas. Eu não me enquadrava no padrão heterossexual perfeitinho com muito batom e muito frufru”, como ela mesma diz. 

A primeira vez que viu o termo ‘lésbica’ foi em um livreto de banca de revista sobre a lesbianidade na Grécia antiga. Fora isso, a referência eram os xingamentos que recebia: “na década de 70, 80, a menina que quisesse jogar bola, soltar pipa, era mulher-macho”.

Hoje ela vê que as coisas mudaram, meninas têm mais liberdade para se expressarem apesar de a luta contra estigmas permanecer. “É engraçado o que as pessoas dizem sobre ser sapatão. O que é mulher macho?”, pondera. Ter opções de referências históricas e de espaços seguros para mulheres lésbicas trocarem experiências é uma maneira de lutar por visibilidade e acolhimento.

Há 6 anos, quando completou 50 de idade, Gisela montou em sua própria casa o Resiliência Espaço Cultural e Atelier. “Fiquei desempregada num episódio em que fui vítima de racismo e assédio moral. Peguei o dinheiro da indenização e montei esse lugar com a proposta de também receber a galera LGBT em momento de envelhecimento.”

Na Vila da Penha, é um dos poucos espaços da capital fluminense que se propõe a reunir feministas e lésbicas de diferentes gerações. Fechado desde o início da pandemia, mantém o caráter solidário do ativismo de Gisela em uma campanha de solidariedade que distribuiu cestas básicas e presta assistência a mulheres negras, suburbanas, desempregadas, que moram sozinhas e são mais velhas.

Gisela, em primeiro plano, à dir.), dona do Resiliência Espaço Cultural e Atelier, idealizou o espaço para acolher pessoas como ela e abriu as portas da própria casa para lésbicas de diferentes gerações. Ali, ela promove encontros, atividades políticas e festas de aniversário. Com a pandemia, o espaço virou local de arrecadação de alimentos para mulheres em vulnerabilidade (Foto: Acervo pessoal)

A terapeuta ocupacional destaca a questão da saúde  das mulheres lésbicas como ponto importante em que a luta por visibilidade precisa avançar: “toda sapatão tem uma história ruim com médico ginecologista”, afirma. “Acho que nos envolvemos com várias causas, mas temos dificuldades para avançar na conquistas de direitos para nós mesmas. Ainda falta uma política pública exclusiva ou que oriente médicos a atender uma sapatão. Todo ano a gente precisa conversar em agosto sobre isso, todo ano a gente começa do zero”, reflete.

“A visibilidade entre nós já é uma vitória”

Para Ingrid May, de 26 anos, as ações de visibilidade lésbica ainda ficam restritas à própria comunidade, não conseguem despertar nem mesmo o interesse dos LGBT como um todo. Mas lésbicas visíveis para as próprias lésbicas já é uma vitória.

“O mês de agosto coloca em evidência não só padrões. Nas redes vi lésbicas idosas, lésbicas gordas, artistas, cantoras, mulheres negras, brancas, amarelas, indígenas”, conta a jovem que cresceu em uma comunidade tradicional japonesa de uma pequena cidade pequena do interior do Paraná. Hoje ela mora em São Paulo e faz parte do coletivo que organiza a QG Feminista, revista independente online que nesse mês contou com programação montada pelas lésbicas e conteúdo especial. 

Ser lésbica estava longe de ser uma possibilidade para Ingrid. “Fui criada para achar um namorado, ter um bom marido japonês”, relembra. Ela explica que para quem faz parte de comunidades orientais relacionar-se com pessoas de fora ainda hoje é um tabu. Demonstrar afeto homossexual em público, então, é considerado algo que “mancha o nome da família” (Foto: Acervo pessoal)

O percurso não foi fácil. “Sempre me envolvi com mulheres, então, pra mim, isso era normal. Só que, ao mesmo tempo, o fato de eu não contar para ninguém era uma coisa que eu sabia que não era certo”, revela. “Eu me envolvia entre amigas e não via uma possibilidade de um relacionamento, sabe?”

Foi só na época da faculdade que ela mudou de comportamento, quando se mudou para a capital paulista. Ingrid conheceu outras mulheres, professoras e colegas que viviam abertamente como lésbicas. “Antes disso, nunca era uma opção ser lésbica, eu sempre pensava que ah, eu tenho que ter pelo menos um marido de fachada”, reconhece.

A comemoração da visibilidade lésbica neste sábado é especial para ela por lembrar dessa trajetória, compartilhada por tantas mulheres. “É dia e mês pra gente pensar em políticas públicas, nas violências que a gente sofre simplesmente por existirmos e lembrar de toda a nossa história e da luta que houve pra chegarmos até aqui.”

PARA SEGUIR NA CAMINHADA:

Por conta da pandemia, os atos de visibilidade lésbica estão acontecendo nas redes sociais. Hoje, a Marcha Mundial das Mulheres, a partir das 18hs, vai transmitir ao vivo em suas páginas do facebook e YouTube debates com a presença de lésbicas marchantes de várias partes do Brasil. As conversas terão como tema as lutas das mulheres lésbicas, feministas, anticapitalistas e antirracistas para combater a política de morte, o conservadorismo e o neoliberalismo. Além do bate-papo, a live contará com intervenções artísticas.

Amanhã, sábado, há programação pelo facebook da Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo e da Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de BH, além de outras. Basta dar a busca! Mulheres lésbicas estarão em todas as redes!

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Quilombo teatral, companhia Os Crespos faz 15 anos de luta antirracista http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/21/quilombo-teatral-companhia-os-crespos-faz-15-anos-de-luta-antirracista/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/21/quilombo-teatral-companhia-os-crespos-faz-15-anos-de-luta-antirracista/#respond Fri, 21 Aug 2020 07:00:17 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4763

Cena da atriz Lucelia Sergio na peça “Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas”. O espetáculo faz parte da trilogia “Dos desmanches aos sonhos”, que investigou o impacto da escravidão na maneira de amar dos brasileiros. A trama ilustra a vida de mulheres negras e as questões relacionadas à negritude, afeto, racismo e a solidão nos relacionamentos amorosos. Exibida pelo SESC São Paulo em julho, é possível conferir parte do espetáculo online aqui (Foto: Ana Zumas/Divulgação)

Com reportagem de Renata Leite e Cheron Moura; ilustração de Rodrigo Kenan especial para o blog MULHERIAS

2004, Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP). Cinco alunos negros se encontram na mesma turma da consagrada instituição de ensino superior. Era algo inédito: eles representavam 25% da concorridíssima classe de apenas 20 alunos. No ano seguinte, outros quatro chegavam ao curso que não tinha sequer uma disciplina voltada para a história ou expressão do corpo negro nos palcos, no cinema ou nas novelas. Era urgente mudar esse cenário.

Enquanto a USP se negava a promover diversidade por meio de ações afirmativas no vestibular, surge entre aqueles estudantes a proposta de criar um grupo de pesquisa para mexer nas aulas e na grade curricular de ensino. Não negros foram convidados a discutir a óbvia lacuna. Mas apenas negros participaram da iniciativa. Nascia, assim, a companhia Os Crespos, o primeiro grupo contemporâneo de teatro negro em São Paulo e o mais longevo quilombo do setor na cidade, que completa 15 anos.

Intervenção de 2006: grupo surgiu no ambiente universitário, muitas vezes hostil às demandas de estudantes negros. Na USP, a grade curricular concentrava os estudos em autores e produções eurocêntricas e ignorava a produção cultural de grandes nomes do teatro negro como Abdias Nascimento e Solano Trindade (Foto: Acervo Cia os Crespos)

Corta para 2020. “Sim, mudamos a cena de forma irreversível e há perspectivas para o amanhã”, reconhece a atriz Lucelia Sergio, uma das fundadoras da Cia Os Crespos. Aos 37 anos, a também diretora e arte-educadora fala  da trajetória do grupo que abriu espaço, na marra, nos palcos da cidade. “Fazemos parte de uma longa luta que começou com nossos antecessores. Hoje, uma dramaturgia responsável não nos impõe mais papéis desgastados no tempo pelo racismo.” 

Além de seis espetáculos, a Cia realizou onze intervenções urbanas e foi a responsável pela realização da primeira Mostra de Teatro Negro de São Paulo. No audiovisual, a equipe ainda acumula premiações nos curtas metragens “D.O.R”, “Nego Tudo” e “Ser ou Não Ser” e produziu duas edições de mostras de cinema. Lançou, ainda, uma revista, a Legítima Defesa, voltada para a crítica, opinião e protagonismo negro dentro da arte. O terceiro exemplar será publicado neste ano.

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A celebração dessa caminhada, mesmo com a pandemia que fechou os teatros, poderá ser prestigiada pela internet. A mostra “Os Crespos 15 Anos” vai promover, pelo facebook do Teatro Arthur de Azevedo, encenações de quatro espetáculos, diretamente do palco,  que consagraram Os Crespos.

Além do infantil “Os coloridos”, com personagens baseados em mitos e contos africanos, afro-brasileiros e indígenas, haverá exibição online da “Trilogia dos Desmanches aos Sonhos”. Formadas pelas montagens “Cartas a Madame Satã ou me desespero sem notícias suas”, “Engravidei, Pari Cavalos e Aprendi a Voar sem Asas” e “Além do Ponto”, registram  impacto da escravidão na maneira de amar dos brasileiros. (Ao final da reportagem, confira a agenda completa com todos os links).

Para as crianças, “Os coloridos” online nos dias 29 e 30 de agosto e 6 e 13 de setembro: na peça, duas araras, uma vermelha e outra amarela, contam uma à outra suas diferenças culturais e o valor de suas cores. Tudo muda quando a azul revela a beleza de serem coloridos.

No próximo dia 25, pelo Instagram do Centro Cultural São Paulo, o grupo promove mais uma edição das chamadas “Terças Crespas”. O projeto nacional de encontro de artistas do teatro, da dança, da literatura, do cinema, da música e da performance já recebeu expoentes de diferentes gerações e é uma articulação em rede para fortalecer as manifestações negras em todo o país.   

Tamanha atividade dialoga com as primeiras investigações do grupo sobre os talentos negros invisibilizados pelo racismo. O ator Sidney Santiago Kuanza, de 35 anos, co-fundador da companhia, recorda dos estudos em grupo da obra do poeta Solano Trindade (1909-1974). Além de autor, ator e teatrólogo, Solano foi folclorista, pintor, cineasta e criou de um grupo popular de teatro que deu origem a uma casa de espetáculos em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo. Na universidade, porém, nada disso era estudado.

Nem mesmo a produção de Abdias do Nascimento (1914-2011) era contemplada. O dramaturgo, ator, poeta, escritor, artista plástico, professor universitário e militante antirracista, foi o percussor do teatro negro brasileiro e inovou em narrativa e estética. Criador do Teatro Experimental do Negro, o TEN (1944-61), Abdias “trouxe a necessidade de pensar o teatro como uma rede extensa que pode estar a serviço das liberdades individuais e da luta coletiva pela emancipação de um povo,” explica Sidney, ressaltando a importância dos conceitos do intelectual na construção de Os Crespos. 

Sidney em“Cartas a Madame Satã ou me desespero sem notícias suas”, de 2014. O monólogo sobre a homoafetividade traz manifestos poéticos, sambas e brinca com estereótipos que expõem questões políticas. (Foto: Acervo Cia. Os Crespos)  

Foi a partir do livro “Quarto de Despejo”, obra de 1960 da escritora e ex-catadora de papel Carolina Maria de Jesus, que a companhia lançou seu primeiro espetáculo. “Foi uma descida profunda na ‘negrura’, na dor. Sobretudo nas estratégias de sobrevivência da mulher que foi esquecida e apagada da história do nosso país, mesmo ela tendo nos anos 60, vendido mais livros que o escritor Jorge Amado,” comenta Sidney. 

“Ensaio Sobre Carolina”, de 2007, foi um tremendo sucesso. Os alunos convidaram para a direção o único professor negro da EAD daquela época, José Fernando Peixoto de Azevedo. Filas se fizeram na portas dos teatros e o espetáculo ficou em cartaz em São Paulo e no Rio de Janeiro por três anos. A montagem ainda ganhou prestígio internacional depois de um ensaio aberto em Berlin, na Alemanha.

Os registros da montagem da peça de teatro estão no filme do "Ensaio Sobre Carolina",  que vai ser exibido no feriado de 7 de setembro, às 19h, no canal do Youtube da Biblioteca Mário de Andrade (Foto: Acervo Cia. Os Crespos)

Os registros da montagem da peça de teatro estão no filme do “Ensaio Sobre Carolina”,  que vai ser exibido no feriado de 7 de setembro, às 19h, no canal do Youtube da Biblioteca Mário de Andrade (Foto: Acervo Cia. Os Crespos)

A dificuldade de ser e fazer teatro negro no Brasil, no entanto, está longe da equidade. Incentivo financeiro, público ou privado, sempre foi e ainda é assunto que exige muita revisão. “Existia, sim, um monopólio de artistas, companhias e produtoras brancas que historicamente faziam uso desse recurso até a nossa chegada”, recorda Sidney, pontuando a contribuição da companhia no questionamento das bancas de seleção de projetos. Os Crespos foram os primeiros do teatro negro a vencer concorrências de editais. “Embora não seja vetada a presença de proponentes negros, existia uma ideia posta subjetivamente de que essas disputas de verba não eram para todos.”

Acessar os patrocínios do setor privado, com excessão de instituições como o SESC, ainda é um grande desafio. “Lidamos bem com nossa existência, não lidamos bem é com a necessidade de invisibilização dos nossos corpos”, resume Lucelia. “De todo modo, agora outras pessoas estão tendo de lidar com a nossa existência, os críticos, os programadores, os gestores, a ‘classe teatral’. Viramos pauta por nós mesmos.” E exemplo para as próximas gerações também.

Nova geração segue a caminhada. “Teatro negro está na rua, na internet, um público que não frequentava teatros já assimilou que a arte faz parte da nossa vida nas batalhas de rap, nos eventos em que  pessoas pretas se encontram”(Foto: Acervo pessoal)

Nascida em Cuiabá, Mariana Lopes, de 24 anos, estuda artes cênicas em São Paulo e vê o compromisso político e social do teatro negro como um elemento transformador da identidade negra. “O Teatro Experimental do Negro, de Abdias, já trazia essa dimensão ao mostrar  a operários e empregadas domésticas que eles podiam fazer arte.” Para ela, Os Crespos trilham esse mesmo caminho ao espelhar o cotidiano negro em suas peças. “Foi isso que despertou meu interesse pelo assunto, me fez reconhecer como uma pesquisadora e ao mesmo tempo me tornar uma brincante dos jogos teatrais e ver o afrofuturismo, também, como uma proposta artística de busca por saúde mental”, conta Mariana.

Ontem, hoje e amanhã: ilustração do designer do grupo, Rodrigo Kenan, que também desenvolve a iconografia afroturista específica da companhia

Em Florianópolis, a atriz Thuanny Paes, de 25 anos, faz mestrado em teatro negro e inspira-se no grupo. “Ver essas mudanças, acompanhar essa resistência e crescimento, é gratificante. Porque teatro negro não é uma fase, é uma luta diária”, define. Ativista do movimento negro e produtora do Coletivo NEGAque existe há 10 anos, ela pontua que nada mais mais segura a ocupação dos palcos por atores e profissionais negros

“O teatro negro está na rua e na internet, alcança um público que não frequentava esse lugar mas já assimilou que a arte faz parte das nossas vidas nas batalhas de rap, nos saraus e nos eventos onde pessoas pretas se encontram”, testemunha Thuanny. E, assim, sendo o teatro o espelho da sociedade, os 15 anos de resistência antirrascista da companhia Os Crespos mostram que não faltam narrativas poéticas negras para subir aos palcos por seus próprios representantes ou público de todo tipo para prestigiá-las. O que falta, e muito, ainda, é o reconhecimento de tamanha riqueza.

AGENDA

25/08, 19h30, terça – Encontro do “Terças Crespas”, dessa vez com a bailarina Eduarda Lemos (PE), a atriz Gabriela Loran (RJ) e o dramaturgo Daniel Veiga (SP), artistas trans negras da nova geração – Pelo Instagram do Centro Cultural São Paulo

29/08, 20h, sábado – Espetáculo Infantil “Os Coloridos” com Lucelia Sergio, Ramon Zago e suas filhas Negra Rosa e Tereza Flor no Facebook do Tendal da Lapa – @Cctendaldalapa

De 30/08/20 a 19/09/20 – “Mostra Os Crespos 15 Anos”, do palco Teatro Arthur de Azevedo, 

  • Infantil “Os Coloridos” (Domingos: 30/08, 06 e 13/09 – sempre às 16h)
  • Trilogia dos Desmanches aos Sonhos: “Cartas a Madame Satã, ou me desespero sem notícias suas” (Sáb, 05/09), “Engravidei, Pari Cavalos e Aprendi a Voar sem Asas” (Sáb, 12/09), “Além do Ponto” (Sáb, 19/09), sempre às 21h.
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Por que o “novo normal” exige moradia para todos e o fim dos despejos http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/14/por-que-o-novo-normal-exige-moradia-para-todos-e-o-fim-dos-despejos/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/14/por-que-o-novo-normal-exige-moradia-para-todos-e-o-fim-dos-despejos/#respond Fri, 14 Aug 2020 07:00:45 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4670 O Brasil pós-pandemia vai além do home office. É preciso questionar porque aqui se condena cidadãos que não têm acesso ao direito de ter uma casa para morar

A diarista Franciele na entrada da ocupação Terra Prometida, na zona Leste de São Paulo: “Não tenho para onde ir se for despejada daqui. Nem as 300 famílias que também não conseguem comer e pagar aluguel. Nosso salário, quando existe, não aumentou tanto quanto a especulação imobiliária. E todo dia chega gente nova aqui, desesperada, é isso o ‘novo normal’?” (Foto: Acervo pessoal)

Com reportagem de Juliana Martins, especial para o blog MULHERIAS

Na periferia da zona Leste de São Paulo, a diarista Franciele Pereira Rocha, de 28 anos, conta que faz tempo que o preço do sonho da casa própria subiu muito acima dos salários, “quando eles existiam”. Nem ela nem as 300 famílias que ocupam um terreno abandonado da Caixa Econômica Federal sabem para onde vão quando a Justiça cumprir a ordem despejo da ocupação Terra Prometida. Nome comum entre tantas com a mesma esperança, essa fica no bairro de Sapopemba, e é feita de casebres de alvenaria em vielas onde só é possível percorrer a pé. “A comunidade existe desde 2016, eu cheguei dois anos depois, sem nada. Vivia em barraco de madeira e todo o dinheiro foi para essa casinha. Todo dia vejo muitos como eu, buscando um canto.”

No interior do Estado, na cidade de Jacareí, a líder comunitária Elisângela Silva, de 48 anos, conta que o Quilombo Coração Valente, onde vive com mais de 200 famílias em barracos de madeira, pode ser demolido a qualquer momento. “É triste demais, isso aqui estava abandonado há décadas, a cidade inteira sabe. E, agora, do nada aparece um dono.” A comunidade já organizou, um centro comunitário, outro de reciclagem e até um plano diretor que prevê ruas largas, escola e posto de saúde. “É um bairro, mesmo, com terrenos bons para todo mundo plantar sua horta e viver em paz. Mas não deixam.”

No centro da capital paulista, a arquiteta Fernanda Neves, de 24 anos, só conseguiu a duras penas renegociar o valor do aluguel do apartamento que divide com três amigas. No começo do confinamento, montou um coletivo de inquilinos, o Aluguel em Crise, para trocar experiências com pessoas que, como ela, tiveram jornada de trabalho e salário reduzidos em até 70% ou estão desempregadas. “Muitas imobiliárias e proprietários nem responderam às solicitações de desconto. Houve ainda os propuseram aumento de valores. Fazem isso justamente para forçar um despejo voluntário.”

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Em comum, as três líderes e militantes vivem o drama do acesso à moradia no Brasil – explícito e agravado na pandemia do coronavírus. “Despejos continuam em pleno andamento”, denuncia a deputada Natalia Bonavides, autora o Projeto de Lei 1975/2020, que tramita em regime de urgência e pede a suspensão por 90 dias do “cumprimento de toda e qualquer medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em despejos, desocupações ou remoções forçadas” durante o estado de calamidade pública do Covid-19.

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Na última segunda-feira (10), Natalia e representantes de comissões de diferentes partidos políticos, movimentos de moradia e Direitos Humanos apresentaram a proposta ao presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. Apelam para que haja votação com máxima urgência. 

Cena de ontem (12), em Minas Gerais: despejo no Quilombo em Campo Grande, em Minas Gerais. Houve violência (Foto: Reprodução MST)

“É absurdo. Várias reintegrações de posse com mandatos antigos estão sendo executados agora”, afirma a parlamentar. “Ficou claro que o discurso de ‘passar a boiada’, que o governo fomentou no meio ambiente, também está sendo aproveitado por outros setores”, completa. “Chegamos ao ao ponto de ter ocupações formadas por famílias que foram despejadas por não ter mais como pagar aluguel na pandemia e ainda assim estão sendo ameaçadas de ser novamente colocadas na rua.” 

Advogada popular, ela ressalta, porém, que mesmo em tempos “normais” as ações de reintegrações de posse, remoções administrativas e criminalização de movimentos ou de pessoas sem teto viviam uma “situação que já era  absurda” no Brasil. “Tudo isso se agravou e demonstra como o judiciário favorece o direito à propriedade e não o direito à moradia e à vida das pessoas”, afirma a deputada. 

Muito se fala sobre um “novo normal’ a partir da pandemia. “Mas é impossível tratar desse assunto sem questionar e rever com urgência o acesso à moradia no Brasil”, diz a advogada Juliana Souza, especialista em Direitos Fundamentais e Processo Constitucional.  “Toda a história da captura da terra pública foi fraudulenta desde o período colonial, com o histórico de doação e heranças, de domínio de posse pela elite colonial e isso traz reflexos até hoje”, resume. 

Vista da Fazenda de Soledade, na então província de Minas Gerais, no século 19. A chamada “Lei de Terras”, de 1850, transformou os nobres administradores dos territórios em proprietários. Tudo por doação, claro. Ninguém pagou nada. Por 350 anos, terra nem era mercadoria por aqui. Riqueza era medida pela quantidade de escravos (Obra de Francis de la Porte/Arquivo Nacional)

O advogado Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, acrescenta: “é preciso colocar o dedo nessa ferida. Não existe ‘velho normal’ quando o assunto é moradia”. Um dos articuladores da campanha “Despejo Zero Pela vida no campo e na cidade“, lançada no último dia 23, ele defende um amplo movimento de conscientização de toda a sociedade para a compreensão das origens do problema.

terra e a propriedade seguem como privilégio, fruto da expropriação de um Estado que sempre foi tolerante com a elite. Nunca houve reforma agrária e, pior que isso, o que existiu foi política pública de doação de latifúndios para nobres e programas de governo racistas que ofereceram terras a europeus para que os ex-escravizados não acessassem a dignidade mínima”, explica Benedito.

De fato, a prática do Estado presentear seus escolhidos com gigantes lotes de terra praticamente nasceu com o Brasil. O processo iniciou-se em 1543, conduzido pelo Império e o critério da posse de era pertencer à nobreza. O administrador do território, que também desempenhava a função de autoridade judicial, podia doar terras a quem quisesse. Só não podia vendê-las porque terra sequer era considerada uma mercadoria.

“Patrimônio e riqueza, até então, eram medidos pela quantidade de pessoas escravizadas que os administradores de terra tinham”, lembra a professora, arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, uma das principais referências em questões de moradia no Brasil. “Apenas em 1850 a propriedade da terra passou a ser um bem, uma mercadoria.” 

Com a chegada da “Lei de Terras”, o Estado transferiu, definitivamente e, vale lembrar, também de graça, por doação, a propriedade para a iniciativa privada. Chamaram isso de regularização, embora ex-escravizados e indígenas não tivessem direito a nada. Quando, ainda depois de 39 anos, em 1889, saíram do sistema de exploração desumana da força trabalho, estavam com zero patrimônio.

Regularização foi o nome usado para doar terra pública para latifundiários

Evidentemente, a Lei de Terras foi conveniente para os latifundiários que regularizaram sua moradia e fonte de renda. O tráfico e o comércio de africanos caminhavam para a proibição e, assim, atividades agrícolas se tornaram o novo negócio de sucesso. “A elite agroexportadora do século 19, como hoje, precisava ter o controle sob a produção. Deixou de controlar a mão obra para controlar a terra”, explica, com ainda mais detalhes, a professora Maricato na aula inaugural em vídeo do curso “Crise Urbana e as periferias no Brasil”.

“E até hoje o que se criminaliza no Brasil são as pequenas ocupações de terra, como a de trabalhadores rurais. Famílias em situação de vulnerabilidade social, em especial famílias pretas, sempre tiveram o seu direito à moradia violado”, reitera a advogada Juliana Souza, que também é pesquisadora do Núcleo de Produção de Linguagem do Ambiente Construído da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo). E a  questão não termina aí.

Política de povoamento deu casa, comida e propriedade. Mas só para os estrangeiros

Em 1911, apenas 22 anos depois da chamada ‘abolição’ da escravidão, um decreto federal, assinado pelo presidente  Marechal Hermes da Fonseca, estabelecia como política pública de povoamento a entrega de terras rurais com financiamento a preços simbólicos, sem entrada e com facilidades imperdíveis para estrangeiros.

Enquanto milhares de ex-escravizados estavam nas ruas em situação de miséria e sem moradia, o governante ofereceu, como diz o texto original da época, lotes que “vender-se-hão a preços módicos” além de uma casa em boas condições hygienicas, para residencia do immigrante e sua familia, preparando-se tambem terrenos para as primeiras culturas a serem feitas pelo adquirente”.

Racismo e moradia: enquanto ex-escravizados viviam à mingua nas ruas ou em moradias precárias que deram origem às favelas, decreto do presidente Marechal Hermes da Fonseca oferecia a imigrantes todo tipo de vantagem para vir ao Brasil. Os que se casavam por aqui ainda ganhavam 50% de desconto na propriedade. (Acervo público)

“Foi uma política pública de moradia marcada pelo racismo e voltada para o embranquecimento do país”, pontua o sociólogo Paulo José de Oliveira, mestrando em desenvolvimento territorial pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). “O governo patrocinava as passagens de navio para toda a família, a estadia, a comida, os medicamentos, o hotel ou a moradia provisória e todo tipo de infraestrutura”, cita o especialista, que é membro da Central de Movimentos Populares (CPM), articulada em mais de 20 Estados do país.

Entre as curiosidades do decreto, está o desconto de 50% do preço aos que casassem por aqui. Vale muito a pena ler o texto original, basta clicar aqui.

Há leis que defendem igualdade social. Elas só precisam ser respeitadas no “novo normal”

A Constituição Federal de 1934 determinou, pela primeira vez, que as propriedades privadas no Brasil deveriam atender às necessidades e interesses da sociedade. É a chamada função social. Ou seja, a propriedade passou a ser subordinada ao bem comum e à promoção da igualdade; o princípio básico do Direito.

O conceito foi mantido na Constituição de 1988 que, por sua vez, passou a garantir a todos os brasileiros o direito à moradia. A lei determinou que o salário mínimo deveria ser suficiente para atender às necessidades primordiais do trabalhadores rurais e urbanos, juntamente com seus dependentes, incluindo- se aí um teto para viver com dignidade. 

A emenda constitucional do ano 2000 passou a tratar como garantia do Estado a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Lei não falta. Mas nem em situação de calamidade pública está valendo…

O “novo normal” é seguir na luta por direitos

Elisângela, do Quilombo Coração Valente, anda com o peito apertado. Em duas instâncias, juízes tomaram decisão favorável ao despejo imediato da ocupação. O defensor do caso, Bruno Ricardo Miragaia Souza, e o advogado de Elisângela, porém, ingressaram com recursos para instâncias superiores. “É uma situação delicada não apenas pela questão humanitária mas por conta de processos antigos que envolvem conflitos de frações de terra vindas de heranças”, explica.

De acordo com as defesas, há necessidade de investigar a compra do terreno, já que não está clara a negociação que gerou o direito de um novo proprietário ingressar com a ação de reintegração de posse. “Por informações de outros processos envolvendo os herdeiros, ainda não foi justificado como uma pessoa, que mora numa casa relativamente modesta, alega a compra de uma propriedade que envolve milhões de reais”. As decisões já proferidas sequer questionaram esses pontos. Na imagens abaixo, do Google, o que sabe é quem em 2006 o local estava vazio e, agora, em 2020 além de socorrer famílias do perigo na pandemia há áreas de cultivo.

Fernanda, do Movimento Aluguel em Crise, tem como horizonte seguir na luta por moradia no centro da cidade, apesar da especulação imobiliária.  É David contra Golias, ela sabe. “Os preços abusivos, a imensa distância do poder de negociação entre inquilinos e imobiliárias, a concentração de renda de proprietários que são donos de edifícios inteiros seguirão na nossas pautas”, revela. “Somos pequenos, localizados, mas questionamos a propriedade privada e esse modelo atual. Talvez, o acesso à moradia possa vir por um programa real de locação social. Não esse, o atual. Mas outros, em que temos que participar da criação.” 

Já Franciele, lá da Terra Prometida na zona Leste, afirma que só que quer o cumprimento da lei. “A dona do terreno, que é a Caixa Econômica Federal, só suspendeu o despejo na semana passada, depois de muita mobilização da nossa comunidade. Mas o que vem depois? E o que fazer com o povo que está chegando?”

Em contato com o banco, o blog MULHERIAS foi informado que “o terreno foi ocupado de forma ilegal e que há ação de reintegração de posse em andamento”. Nada mais. 

Uma das vielas da Terra Prometida que o banco, público, faz questão de ter de volta (Acervo Pessoal)

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“Por que toda vez que uma mãe vai comer, a comida já está fria?” http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/07/por-que-toda-vez-que-uma-mae-vai-comer-a-comida-ja-esta-fria/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/08/07/por-que-toda-vez-que-uma-mae-vai-comer-a-comida-ja-esta-fria/#respond Fri, 07 Aug 2020 07:00:41 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4654 “Muitas reflexões profundas sobre a vida nascem na cozinha”, diz a escritora e poeta pernambucana Jenyffer Nascimento, de 36 anos. Ativista, feminista, mãe solo há 12 anos, moradora da periferia da zona Sul de São Paulo, ela escreve desde a adolescência e por meio da cultura hip hop se encontrou no movimento literário dos saraus das quebradas de São Paulo. Suas poesias estão publicadas em diferentes coletâneas e seu primeiro livro, Terra fértil (Editora Mjiba, 2014), é obra reconhecida como das mais inquietas da nova geração de literatas negras no Brasil. A convite do blog MULHERIAS, ela compartilha uma crônica que remexe com nossos pensamentos, estômago e alma. 

Por que toda vez que uma mãe vai comer, a comida já está fria?”

Por Jenyffer Nascimento, especial para o blog MULHERIAS

Muitas reflexões profundas sobre a vida nascem na cozinha. Não sei se os intelectuais concordam com essa afirmação porque isso que vos escrevo é apenas uma observação (ou será um insight, frase de efeito?) de minha mente inquieta e literariamente viva. Já digo aos intelectuais que tal pensamento não tem fundamentação teórica, nem tenho ninguém para citar, a não ser as próprias conversas que tenho na cozinha com outras amigas, observando esse grande laboratório de vida muito habitado pelas mulheres de minha família, geração após geração…

Voltemos ao foco. A pergunta é outra. Você já experimentou comida fria? Aposto que há quem goste, há gostos e esquisitices para tudo nesse mundo, mas imagino que no Brasil, no mínimo 87,5% das pessoas preferem que sua comida esteja quente (obs: consta que nenhum instituto de pesquisa foi consultado para essa estatística, puro palpite!). Ora veja, se o fogão está lá, bonitinho e com botijão, cozinhando e esquentando tudo que pode, e em 2020 tem microondas na casa da dona de casa, na casa das trabalhadoras moradoras da quebrada e não somente na casa das patroas, então qual o motivo para não comer uma comida quente?

Vamos voltar no tempo. Desde a manipulação do fogo pelo Homo Erectus há 7.000 anos AC e hoje (que maravilha!), cá estamos na modernidade podendo desfrutar de suas vantagens, com apenas um clique: tenemos fuego. Se for a lenha é ainda mais gostoso, a quentura aquece a comida que aquece o coração e a barriga da gente.

Pois bem, eu nunca li, em lugar nenhum, um artigo falando sobre a comida fria que as mães comem e acho isso um absurdo. Devia ser denunciado nos noticiários e jornais para ver se as pessoas se chocam.

Onde já se viu? Antes fosse uma vez ou outra, mas é quase todo dia que a comida fica fria. E as mães lá, indignadas e quietas. Quietas não, porque elas reclamam, mas não são ouvidas.

Tudo começou porque eu, Jenyffer, que agora vos escrevo, odeio comida fria. E para constar, eu não gosto de comida requentada no microondas. Não tem nada a ver com o lance da radioatividade, é só porque muda o gosto do arroz, muda a textura das coisas, é algo que, ao meu ver, precisa ser aperfeiçoado, mas as empresas de microondas devem estar pensando nisso (assim espero). Só para fechar o cenário, a verdade mesmo é que eu nem tenho microondas e, mesmo com as críticas que tenho a esse eletrodoméstico, se eu o tivesse, usaria. Mas, quer saber de uma coisa? A mãe pode até esquentar a comida dela no microondas, mas quando for sentar para comer, a comida vai estar fria.

Senta que lá vem história. Mães são umas criaturas com oito braços e três cabeças, todas invisíveis, nem mesmo os inteligentes ou as crianças conseguem ver. Ela lava louça, varre a casa, estende a roupa e atende o telefone ao mesmo tempo. Isso não é legal, não é um super atributo, é arrancar o couro.

Ninguém quer ser uma super mãe. Porque a super mãe é essa que come a comida fria.”

Eu nunca quis ser super mãe e sempre fui a mãe que deu pra ser, mas, de um tempo pra cá, a maternidade tem me trazido muitas reflexões que deslocam minha órbita. Como pode? Imagina, uma mãe de férias do trabalho, fazendo café da manhã, almoço e janta, cozinhando pra todo mundo da casa… Digamos que ela está fazendo tudo com prazer e sente aquele cheiro do alho subindo, cantarolando, fica feliz de ver a alquimia se realizando na panela, sente um prazer imenso quando apaga todas as bocas do fogão, afinal, está pronto. E de repente… a comida dela está fria!

Por que toda vez que uma mãe vai comer, a comida já está fria? O pior não é a comida estar fria na panela, se fosse esse o problema era só esquentar. Dá mais trabalho? Sim, mas esse é o falso problema. O verdadeiro problema é a lacuna, a interceptação que ninguém consegue ver e saber pra onde foi, pois entre a comida chegar quente no prato e a mãe conseguir dar uma garfada, a comida já estará fria. E às vezes, de raiva, ela nem come. A fome passa.

Eu fico pensando em uma assembleia só de mães, com as crianças correndo, algumas chorando, outras se mordendo, mas as mães estariam firmes para reivindicar que gostariam de ter tempo para sentar e comer sem que nada as interrompesse, para que conseguissem merecidamente desfrutar do sabor de um prato de comida quente.

Tudo começa muito remotamente quando os filhos ainda são bebês. Enquanto eles dormem, a gente tenta fazer duas coisas fundamentais, comer e ir ao banheiro. Hoje vamos ficar apenas com a opção da comida. Os bebês têm um despertador estranho, toda vez que a mãe senta para comer eles acordam e lá se vai nossa oportunidade de comer uma comida quente. Tudo bem, os bebês não têm culpa, são tão bonitinhos e cagões – e bonitinhos de novo. Ainda não tem consciência do que suas mães estão passando. Mas por que raios uma mãe com filho de 12 anos não consegue comer uma comida quente?

A verdade é que não importa o tamanho do filho porque a sobrecarga estará ali. E aqui tô falando de um tipo de mãe que é aquela que tem que se virar sozinha porque não tem quem faça nada além dela. Ou melhor, às vezes até tem, mas é como se não tivesse. Não há substituto hábil para uma mãe – pensam. Dizem “quem pariu Mateus que balance”. Meu cu balançando pra quem disse isso! A verdade é que apesar do tom de humor e ironia, esse texto é um manifesto.

Eu disse que é na cozinha que nascem as grandes ideias para mudar o mundo. Ou melhor, não foi exatamente isso, foi quase.

A verdade é que uma mãe nunca consegue sentar e comer em paz sem que alguma preocupação ou importunação a atravesse. Estar em casa, tendo que trabalhar em plena pandemia e cuidar de uma criança me fez pensar o quanto é revolucionário ter dinheiro pra pedir um marmitex (que às vezes chega frio, mas aí já são outros quinhentos, ou seriam outros vinte?). Sentar e conseguir degustar um prato de comida quente deveria ser um direito materno, afinal precisamos nos manter bem alimentadas para dar conta de tudo que temos que fazer em um único dia, ao longo de toda uma vida.

Toda mãe que comeu um prato de comida frio e sentiu vontade de chorar (sim, nós queremos chorar muitas vezes e eu não conheço uma mãe que não tenha chorado enquanto tentava comer, talvez não exatamente por causa comida fria, mas por qualquer outro motivo) deveria ler esse texto e pensar em romper esse ciclo. E não posso considerar que uma mãe se acostume a comer comida fria e passe a achar normal. É digno e fundamental que a gente seja tão gente quanto qualquer outra pessoa.

Alguns de vocês lerão esse texto e vão achar engraçado, outros dirão que é frescura da minha parte, você talvez pare pra pensar e sinta vontade de chorar e uma parte considerável não vai fazer porra nenhuma pra essa realidade mudar. As intelectuais de gênero devem ter algo a dizer sobre as jornadas triplas de trabalho, as interseccionais sobre o quanto a raça, gênero e classe contribuem para a opressão que sentimos na pele.

É tudo muito válido, inclusive esse texto. Mas, eu fico no pensando o que muda na vida das mães e seus pratos de comida? Infelizmente, quase nada.

Então, como não sei exatamente como acabar essa crônica, porque eu ainda escreveria horas sobre esse assunto, mas preciso me organizar para dar conta dos outros afazeres acumulados enquanto eu sentava aqui pra escrever, vos deixo a pergunta, por que toda vez que uma mãe vai comer, a comida já está fria?

Muitas reflexões profundas sobre a vida nascem na cozinha.

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Por que devemos, sim, derrubar estátuas de racistas

Da Vila Clara: “A morte de Guilherme profana um território preto e sagrado”

 

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Campanha Despejo Zero: “Moradia é questão de vida ou morte na pandemia” http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/31/campanha-despejozero-e-guerra-entre-direito-a-vida-e-propriedade/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/31/campanha-despejozero-e-guerra-entre-direito-a-vida-e-propriedade/#respond Fri, 31 Jul 2020 07:00:55 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4596 Em plena crise sanitária, aumento das remoções forçadas em todo o país mobiliza campanha nacional e internacional #despejozero. A intenção é pressionar aprovação do projeto de lei que proíbe que brasileiros sejam jogados no olho da rua e expostos ao coronavírus por não ter como pagar aluguel

Em Ribeirão Preto, cidade conhecida como a "Califórnia Brasileira", o casal Tatiane Pereira, 22, com o marido Mateus Cazula, 24, e o filho Henrique, 2, no dia 28 de maio. A prefeitura demoliu a casa que a família construía em terreno público abandonado. "Estamos sem trabalho e já fomos despejados por dever o aluguel. Ocupamos esse pedacinho da Favela da Mangueira e com o auxílio-emergencial construímos as paredes pra morar. É o que dava. Foi tudo embora, e agora?" (Foto: Filipe Augusto Peres)

Em Ribeirão Preto, cidade conhecida como a “Califórnia Brasileira”, o casal Tatiane Pereira, 22, com o marido Mateus Cazula, 24, e o filho Henrique, 2, no dia 28 de maio. A prefeitura demoliu a casa que a família construía em terreno público abandonado. “Estamos sem trabalho e já fomos despejados por dever o aluguel. Ocupamos esse pedacinho da Favela das Mangueiras e com o auxílio-emergencial construímos as paredes pra morar. É o que dava. Foi tudo embora, e agora?” (Foto: Filipe Augusto Peres)

“De que adianta falar para ficar em casa nessa pandemia se o próprio governo está demolindo nossos barracos?”, questiona a diarista Erica Cavalcante da Silva, de 36 anos. No último 14 de abril, ela acordou com o barulhão de uma retroescavadeira da prefeitura destruindo as estruturas de alvenaria e madeirite de seus vizinhos. Vinte famílias, das mais de 60, ficaram sem casa na comunidade Fé em Deus, apelidada de Descalvado, na periferia de Ribeirão Preto.

A cidade do interior de São Paulo, conhecida como a Califórnia Brasileira desde os anos 70, é a maior produtora de açúcar e álcool do mundo e no município circulam 51 bilhões de dólares, 18% de toda a riqueza do Estado paulista. Desde que decretou estado de calamidade pública, em 23 de maio passado, porém, Ribeirão Preto também ganhou o título de campeã de despejos. O Observatório de Remoções, projeto desenvolvido por núcleos de estudos da USP e da Universidade Federal do ABC, apontou que pelo menos cinco áreas foram desocupadas ou estão em grave ameaça de ordens de reintegração de posse. E não é um caso isolado.

Veja também:
“A periferia não pode surtar. E a gente sabe que está ao Deus dará”
MTST realiza marcha contra fim dos despejos durante a pandemia 

Só na cidade de São Paulo, calcula-se que mais de 1.900 famílias foram atingidas por despejos na pandemia. O mapeamento do Observatório de Remoções comprovou aumento de ações do gênero em comparação ao período anterior. “As remoções seguem acontecendo, violando recomendações nacionais e internacionais”, diz a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, uma das relatoras de um documento com denúncias de todo o país enviado à comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).

Em resposta, o relator especial da ONU pelo direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, não poupou meias palavras: “despejar as pessoas de suas casas nessa situação, independentemente do status legal de sua moradia, é uma violação de seus direitos humanos”. Ao contrário do governo da Alemanha, por exemplo, o presidente Bolsonaro vetou em junho o artigo que impedia a expulsão de inquilinos até 30 de outubro – parte do projeto de 14.010/2020, que trata das medidas emergenciais de resposta à pandemia. 

Erica, na comunidade Fé em Deus: “só vai para a favela quem precisa. Só não derrubaram a minha casa porque ela fica no alto do morro e começou a chover forte naquele dia.” Ainda assim, a diarista se viu obrigada a assinar um documento que comunicava que a demolição ia ocorrer dali uma semana. “Na prefeitura eu implorei para não fazerem isso, disse que não tinha para onde ir. A única opção que eles me deram foi ir para um abrigo coletivo. E lá já estava com um montão de gente! Como assim?”  (Foto: Acervo pessoal)

“Não há respeito do governo federal ao isolamento nem ao drama da falta de moradia para mais de 7 milhões de pessoas. Também falta consenso entre a decisões das prefeituras, dos governos dos Estados e do judiciário na suspensão dos despejos”, diz o advogado Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. “Sem moradia as pessoas ficam totalmente vulneráveis na pandemia. É uma tragédia, questão de vida ou morte”, resume. 

Benedito é um dos articuladores da campanha “Despejo Zero – Pela vida no campo e na cidade”, lançada no último dia 23. De caráter permanente, construção coletiva em rede aberta à toda a sociedade, em apenas uma semana, a iniciativa já congregou mais de 100 mil brasileiros por meio de organizações, entidades, coletivos, movimentos civis ou grupos ainda em formação. São sem-teto, sem-terra, membros de mais de 40 movimentos de moradia que estão sendo removidos de ocupações, muitas vezes com força policial. Mas não só. 

Manifestação na manhã de ontem (30/07) em Belo Horizonte de integrantes de quatro ocupações ameaçadas por despejos em meio à pandemia (Reprodução Instagram⁣)

Somam-se a esse contingente pessoas em situação de rua, cada vez em maior número, e povos tradicionais que estão sofrendo extrema pressão em seus territórios por madeireiros, pecuaristas, mineradores e grileiros de todo tipo, caso de indígenas e quilombolas. Há ainda trabalhadores informais sem sustento, como camelôs e ambulantes, moradores de cortiços e inquilinos de centros urbanos em situação de dívida ou em iminente despejo.

“Milhões de brasileiros gastam a maior parte do que ganham com aluguel e agora, com o desemprego, precisam escolher entre comer e morar. É desumano, inadmissível”, analisa Benedito. “Por outro lado, há milhões de imóveis abandonados que não cumprem sua função social”, completa o advogado, ressaltando que no Brasil moradia é um direito humano fundamental e a Constituição de 1988 prevê a função social das propriedades. Terreno, casa ou espaço abandonado, sem uso, pode e deve, sim, ser desapropriado pelo Estado para atender às necessidades da população.

Em São Paulo, marcha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ontem (30/07), em direção ao Palácio do Governo do Estado. Além de #despejozero, manifestantes cobraram que recursos destinados às políticas habitacionais sejam liberados. João Dória não recebeu a comissão para diálogo e a polícia militar jogou bombas nos manifestantes no fim do ato (Foto: Reprodução Facebook)

A expectativa é que a mobilização #despejozero pressione a aprovação do projeto do projeto de Lei 1975/2020, que propõe barrar as as ações de despejo em todo o país. A medida já tem a urgência aprovada no Câmara dos Deputados, mas não foi colocada em votação. “Nesse momento, precisamos de mobilização popular intensa para explicar que essa é uma questão fundamental para a sobrevivência de milhares de pessoas”, diz a autora do projeto, a deputada federal Natália Bonavides, do Rio Grande do Norte.

Enquanto isso, Erica e milhares de pessoas seguem perdendo o sono.”Sinto que a qualquer momento vão derrubar minha casinha como naquele dia. Foi de supetão, sabe? Sem documento judicial nem nada. Teve até um morador, catador de reciclados, que tinha saído pra trabalhar ainda de madrugada e só na volta viu que não tinha mais lugar pra dormir”, lembra, ainda chocada com a frieza da guarda metropolitana que acompanhou o despejo. “Até agora tem idoso cardíaco e criança que tá sem teto, vivendo de favor em casa de vizinho.”

Mãe de quatro filhos, dispensada das faxinas diárias, ela é casada com o motorista Demileno de Souza, de 29 anos, antes da pandemia alugava um carro por R$ 480 semanais para trabalhar como Uber. “Mas ele teve tuberculose recente, é de risco e nem tem mais tanta corrida ou dinheiro que compense rodar”. Desde saíram de Belém do Pará, há um ano e dois meses, por falta de emprego e medo de uma “guerra violenta na comunidade”, a família vive na casa de 4m por 2,5 metros sempre em construção. “Vivemos mais com medo de ficar sem teto do que do vírus. Não temos para onde ir.”

A casa de Erica, ameaçada de demolição (Foto: Acervo pessoal)

A mesma frase foi repetida no dia de 28 de maio pelo casal Tatiane Pereira, de 22 anos, e seu o marido Mateus Cazula, de 24, quando a prefeitura, também de Ribeirão Preto, demoliu a estrutura em alvenaria de três cômodos que a família construía na Favela da Mangueira, a mais antiga da Califórnia Brasileira. “A gente já tinha sido despejado porque não conseguiu pagar o aluguel de R$ 550 e foi com o dinheiro do auxílio-emergencial que construímos as paredes pra morar ali”, explica Tatiane.

Mãe de Henrique, de 2 anos, e Heloísa, de 4, ela perdeu o emprego de atendente em um comércio logo no começo do isolamento social. “Meu marido também foi dispensado do serviço num lava-jato. Ele não tinha registro e saiu sem nada. Tudo o que a gente tinha foi para subir as paredes”, conta. “Só faltavam duas fileiras de tijolo e íamos mudar assim mesmo, sem nada mesmo. Era o jeito, né? Mas chegaram lá derrubando tudo, com polícia e cachorro em cima da gente.” A família toda está alojada num quarto dos fundos de uma prima do marido de Tatiane. “Antes não era tão difícil assim, a gente se virava, fazia uns bicos. Mas agora está muito triste. Só a gente sabe como é.”

O OUTRO LADO: O que diz a prefeitura de Ribeirão Preto

Questionada pelo blog, a prefeitura de Ribeirão Preto não respondeu nada sobre a demolição dos barracos e casas de alvenaria da comunidade Fé em Deus, onde vive Érica, no Descalvado. Foram ignoradas as solicitações de identificação numérica de possíveis processos judiciais de reintegração de posse e ações credenciamento de moradores para encaminhamento aos programas de moradia da prefeitura.

De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, em função da pandemia, “todas as reintegrações de posse, inclusive as transitadas em julgado, foram suspensas por solicitação da prefeitura ao poder judiciário”. Em nota da assessoria de imprensa, o município reiterou que “novas invasões ou tentativas de invasões em qualquer área da cidade são coibidas pela Fiscalização com o apoio da Guarda Civil Metropolitana, como é de conhecimento do Ministério Público e do Conselho Municipal de Moradia”.

Sobre a Favela das Mangueiras, onde Tatiane e Mateus tentaram construir uma casa, a prefeitura alega que “o fato em questão foi uma nova invasão e demarcações em área de lazer ao lado da comunidade das Mangueiras” e que, em 2017, já havia ocorrido reintegração e transferência das famílias que a ocupavam para empreendimento habitacional. Segundo o governo municipal, no local será construído outra habitação de interesse social com praça de lazer para atender 160 famílias, inclusive da comunidade das Mangueiras.

A União dos Movimentos de Moradia de Ribeirão Preto, porém, afirma que essa promessa construção de unidades habitacionais existe desde 2017, à época das remoções. De lá para cá, nenhuma medida de cuidado e proteção da área foi tomada, deixando no local montes de entulhos e situação de abandono. “Em época de pandemia da covid-19, quando todas as medidas de proteção às populações mais vulneráveis deveriam ser tomadas, a prefeitura de Ribeirão Preto além de suspender fornecimento de cestas básicas e material de higiene, promoveu as remoções das famílias, colocando em risco a saúde de moradores e funcionários públicos nestas ações absurdas e desumanas”, diz o comunicado público da entidade que participa do #despejozero.  

 Colaborou Juliana Martins, especial para o blog MULHERIAS

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Mulheres da periferia apostam em cursos grátis para trabalhar em tecnologia http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/24/mulheres-da-periferia-apostam-em-cursos-gratis-para-trabalhar-em-tecnologia/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/24/mulheres-da-periferia-apostam-em-cursos-gratis-para-trabalhar-em-tecnologia/#respond Fri, 24 Jul 2020 07:00:42 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4569

(Foto: Getty Images)

Por Victória Durães, especial para o blog MULHERIAS

Redes sociais, notícias, aplicativos, músicas, filmes, memes, trabalho remoto, conversa com os amigos… É a internet e as tecnologias que dão vida a tudo isso. Mesmo com toda a crise de empregos, o mercado de trabalho nessas plataformas é dos que mais cresce atualmente. Diversas profissões da área estão em ascensão, a maioria delas não exige diploma de ensino superior para o início de carreira. Nas empresas, há interesse em recrutar mulheres e incluir diversidade nas equipes. Para animar ainda mais, o salário inicial tem média de R$ 2.978, de acordo com o site Glassdoor, que avalia empresas a partir de relatos de funcionários.

“A área de tecnologia é gigante! Há muitas oportunidades que incluem programação ou não. Você pode trabalhar com teste, pode ser front-end [nome dado às profissões que tratam de tudo o que se enxerga nas telas], back-end [funções que cuidam das conexões que estão por trás do que vemos nas telas], gerenciar projetos, organizar equipes… As possibilidades são muitas, e tudo isso ainda é a área de tecnologia”, explica Telma Cristina Gabriel.

Aos 38 anos, há apenas dois meses ela conquistou seu objetivo e saiu dos Correios, onde trabalhou como funcionária pública por 18 anos, para iniciar sua carreira no mercado de Tecnologia da Informação (TI). Telma agora é assistente de qualidade (QA, do inglês quality assurance) – responsável por realizar testes automatizados dos sistemas que são desenvolvidos em uma consultoria.

Telma durante o curso que mudou o rumo de sua carreira (Foto: Acervo pessoal)

Ainda que a transição de sua carreira tenha começado em 2013, quando conseguiu uma bolsa de estudos para fazer faculdade de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, a oportunidade que esperava não veio com o diploma universitário. A virada aconteceu com um curso de graça e intensivo de seis meses, chamado bootcamp, que ensina programação para mulheres.

Telma participou do projeto promovido pela ONG Reprograma, que tem foco em aumentar o equilíbrio de gênero na área de tecnologia. Atualmente, apenas 13% desse mercado é composto por mulheres  A entidade promove workshops para quem tem pouco ou nenhum conhecimento em programação e desenvolvimento a cada três ou quatro meses e, a partir daí, seleciona candidatas para os cursos semestrais. (Ao final da reportagem, confira lista dessa e outras entidades que  oferecem cursos gratuitos)

“A experiência foi muito importante, encontrei no grupo mulheres de várias etnias e idades, das mais novinhas até as de mais de 40 anos. A maioria não era da área de tecnologia, então estávamos todas no mesmo barco”, recorda a “QA”, do tal “quality assurance”, que designa a função em controle de qualidade, que não se intimidou com os termos em inglês que a área costuma usar. “Eu já tinha ouvido algumas coisas na faculdade, mas como não trabalhava na área, era como se estivesse estudando e vendo tudo pela primeira vez. Isso foi muito impactante e fez toda a diferença. Além disso, a rede de apoio e a troca de experiências no grupo foi muito gratificante”, conta Telma, que é moradora de Pirituba e tem um filho.

Também foi por meio de um curso gratuito que Yasmim Barbosa Vieira, 18 anos, conseguiu seu primeiro trabalho na área tecnológica. Logo após terminar o ensino médio, participou de cinco semanas de aulas de Desenvolvimento Web na Estação Hack. Promovida pelo Facebook, a iniciativa oferece cursos, palestras e workshops gratuitos de programação, desenvolvimento de aplicativos, inovação e preparação para o mercado de trabalho. Há muitas vagas, muitas mesmo, distribuídas ao longo de 2020.

Para Yasmim, bastaram quatro meses e meio de procura para conseguir o emprego de Desenvolvedora Trainee. “Eu tinha apenas aquele curso e para vagas júnior as empresas pediam conhecimento de coisas que eu não sabia. Mas para ser trainee me pediam basicamente HTML, CSS e JavaScript, que eu tinha aprendido na Estação Hack.” 

Yasmim, de 18 anos, fez um curso gratuito de cinco semanas na Estação Hack e virou trainee depois de quatro meses e meio de busca (Foto: Arquivo pessoal)

Há duas décadas no mercado, a engenheira de dados especializada em banco de dados e influencer tecnológica Danielle Monteiro observa  com alegria as transformações na área ao longo dos anos. Quando começou, não haviam muitas comunidades nem cursos rápidos nas redes. “Então, eu não tinha com quem contar e chorava sozinha. Hoje nós temos várias comunidades exclusivas para mulheres ou para pessoas negras, então é mais fácil a gente ter uma rede de apoio, compartilhar nossos medos e inseguranças com outras mulheres e ser acolhida.”

As comunidades que permitem a troca de experiências ajudam quem chega na área a fazer contatos. Isso fez toda a diferença, por exemplo, para Telma conseguir sua primeira oportunidade na área. Outra maneira de acessar esse mercado é frequentar eventos (geralmente chamados de meetups e que, atualmente, por causa da pandemia, ocorrem aos montes online).”Nesse encontros, é possível conhecer pessoas com interesses semelhantes e que, muitas vezes, estão no mesmo ponto da carreira e passando pelas mesmas dificuldades e de olho nas oportunidades”, completa a experiente Dani. 

Há 20 anos no mercado, a engenheira de dados Dani Monteiro recomenda a participação em comunidades para fazer contatos e buscar apoio. Para ela, a graduação continua sendo importante para quem quer crescer e alcançar cargos mais altos na área. “É legal pensar nisso no longo prazo, principalmente quando você vem da periferia e faz parte de uma minoria. Ainda precisamos nos provar” (Foto: Arquivo pessoal)

Em comum, as três profissionais recomendam constante aprendizado e compreensão do que chamam de “a lógica da programação”. Telma explica que diferentes linguagens do mundo tecnológico podem mudar, “mas existem os conceitos gerais que são a base de tudo. De todo modo, ser flexível e não se limitar é muito importante”. 

Yasmim concorda e sua dica a quem chega na área é ter disposição para aceitar desafios: “Conheço pessoas que têm receio de muita coisa, mas é bom tentar coisas que às vezes achamos que não conseguimos fazer. Não é fácil, sabe? Não vou mentir. Mas vale o esforço, é um mercado valorizado, que tende a se valorizar cada vez mais”, diz a jovem que sonha em trabalhar no Google. 

Dani, por sua vez, deseja ver cada vez mais mulheres mudando de vida como ela. “Não tive privilégios nem facilidades para trilhar esse caminho, minha mãe era copeira hospitalar, vim de escola pública, entrei em uma universidade pública por não ter condições de pagar uma particular.” A carreira em tecnologia mudou sua condição financeira, social e a fez conhecer outros países. “É essa a minha luta e por isso que eu faço e dou cursos, palestras, participo das comunidades. Quero que outras possam ter suas vidas transformadas. Quando mudamos a vida de uma mulher, mudamos a vida de todos que estão ao redor dela”.

DICAS DA INFLUENCER DANI MONTEIRO PARA APROVEITAR O MERCADO TECH

Seja qual for o momento da sua trajetória profissional, para alcançar cargos mais altos na área de tecnologia é fundamental estudar. A boa notícia é que existe muito (muito mesmo!) conteúdo gratuito, tanto online quanto presencial. Cursos, eventos, palestras: tudo de graça para ajudar toda a comunidade de tech crescer. “A área de tecnologia não é simples e eu acho que nunca será, até porque ela se renova constantemente e está sempre te desafiando a aprender coisas novas e enfrentar problemas novos”, explica a influencer Dani Monteiro. 

Atualmente ela participa ativamente da comunidade WoMakersCode, nos grupos de meetup Databases SP e .NET São Paulo . Dani criou também o blog DB4Beginners, no qual oferece conteúdo para quem é iniciante na área de banco de dados e o Dani Academy, uma plataforma de ensino que em breve terá diversos cursos sobre engenharia e arquitetura de dados. 

CURSOS GRATUITOS E INSTITUIÇÕES PARA COMEÇAR SUA JORNADA 

WoMakersCode – Criada em 2015, a iniciativa é a maior comunidade busca fortalecer o protagonismo feminino na TI através do desenvolvimento profissional. A partir de sábado (25 de julho), há inscrições abertas para o curso Primeiros passos em programação front-end. Aproveite! 

WoMakersCode: a maior comunidade de tecnologia, formada por mulheres, da América Latina.

Elas Programam – Negócio de impacto social criado com o propósito de promover a empregabilidade e permanência de mulheres no mercado de tecnologia. Inscrições abertas até 29/7 (quarta-feira) para bolsas integrais no Gama Experience #35 online nas áreas de Desenvolvimento front-end e UX/UI Design 

Minas Programam – Criado em 2015, a iniciativa foi pensada para promover o ensino de programação para mulheres, priorizando mulheres negras e indígenas. Sem inscrições para novos eventos no momento, mas fique de olho que surgem oportunidades. 

Laboratória – Organização sem fins lucrativos que oferece cursos de programação e desenvolvimento front-end para mulheres em São Paulo. Inscrições abertas até 9/8 (domingo) para curso de Desenvolvimento front-end.

Laboratória tem processo seletivo para o bootcamp em programação para mulheres

Generation – Organização sem fins lucrativos que apoia jovens a construírem suas carreiras na área de tecnologia através de cursos integrais que trabalham tanto conhecimentos de programação quanto habilidades socioemocionais. Inscrições abertas para o curso de Desenvolvedor Júnior.

Curso gratuito de Desenvolvedor começa em setembro em São Paulo

PerifaCode – Comunidade que reúne pessoas que moram em periferias, favelas e guetos do Brasil para criar uma rede de apoio e levar a vivência em programação para o mundo periférico. Não há inscrições para novos eventos no momento mas vale a pena seguir essa galera! 

Pyladies – Grupo internacional de mentoria com foco em incluir mais mulheres (cis, trans e não-binários) na comunidade de TI por meio da linguagem de programação Python. Sem inscrições para novos eventos no momento.

 

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Em casa, boleira cria kit festa e mostra como lucrar R$ 2.500 por mês http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/17/em-casa-boleira-cria-kit-festa-e-mostra-como-lucrar-r-2-500-por-mes/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/17/em-casa-boleira-cria-kit-festa-e-mostra-como-lucrar-r-2-500-por-mes/#respond Fri, 17 Jul 2020 07:00:47 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4524 Por Jéssica Ferreira, especial para o blog MULHERIAS 

É possível começar o negócio com R$ 200 de investimento, atenção aos ingredientes e aos pedidos dos clientes. "Nesse momento difícil, muitos pedidos são para presente. Fico feliz por fazer parte dessa rede de carinho", diz a boleira Fátima Durães(Foto: Acervo pessoal)

É possível começar o negócio com R$ 200 de investimento, atenção aos ingredientes e aos pedidos dos clientes. “Nesse momento difícil, muitos pedidos são para presente. Fico feliz por fazer parte dessa rede de carinho”, diz a boleira (Foto: Acervo pessoal)

Investir em kits de festas para quem está em confinamento foi a forma que a boleira Fátima Durães, 51 anos, encontrou para manter suas vendas na pandemia. “Não é porque as pessoas não estão fazendo grandes eventos que não querem comemorar o aniversário ou presentear alguém”, diz a moradora do Jardim São Paulo, na zona Norte de São Paulo. Com a ajuda das filhas Victória (25) e Gabriela (24), dona Fátima toca o pequeno negócio da cozinha da própria casa e topou compartilhar seus segredos de forno, fogão e finanças. Ela sabe que milhares de pessoas, especialmente mães com filhos em idade escolar, estão precisando se reinventar para lidar com as consequências econômicas da crise do coronavírus. 

Apenas no primeiro trimestre deste ano, a pandemia já acumula 12,9 milhões de desempregados, aponta um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sabe-se que esse número é maior e não contempla o imenso universo de autônomos e informais. A necessidade de uma renda que supra as contas básicas bate à porta de muitas periferias. Já não é apenas uma questão de empreendimento, mas, sim, de sobrevivência.

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“É possível entrar no ramo de bolos e salgados por encomenda com pouco investimento”, diz dona Fátima, otimista e realista. Conhecedora das dificuldades de quem precisa começar um negócio em casa, com baixo risco e resultado relativamente rápido, ela recomenda dar o primeiro passo com a produção de bolos de pote. “Com R$ 200  é possível produzir, em média, 100 unidades para vender a R$ 5 ou R$ 6 cada. Dá um ótimo retorno!”.

Outra dica é fazer bolos de café da tarde, sem recheio, “que são fáceis e baratos, ideais para levantar uma graninha de investimento de cara. Só não esqueça de colocar no papel os gastos com gás, luz e água”, acrescenta. Dona Fátima muito sabe do que fala.

Há décadas, Fátima ama confeitaria. Quando as filhas ainda eram pequenas, vendia salgados com o marido para lanchonetes e bares da redondeza. Acordavam às quatro da manhã para deixar tudo fresquinho, assado e frito, para, então, levar as encomendas até os estabelecimentos que abriam por volta das 6 horas. “O lucro era pouco e não compensava o cansaço”, lembra. Por quatro anos, trabalhar com faxina foi mais vantajoso. Ela reservava só os finais de semana para fazer os bolos e outros quitutes de festa.

Em 2018, dona Fátima tomou coragem e para se dedicar exclusivamente ao seu talento e interesse. Com a clientela em construção, atendia a pedidos para aniversários ou casamentos. O isolamento social e o fim das aglomerações por causa da pandemia a obrigou a se reinventar. A experiência, porém, já estava na bagagem. “Bolo de chocolate com morango sempre é sucesso, sempre foi o que mais vendi”, entrega.

Ela criaram a versão de todos os bolos do cardápio com peso de 1 quilo, ideal para uma família de 4 ou 5 pessoas ou mesmo para uma pessoa animada com um bolo só pra si ou casal. Ao carro-chefe de toda festa que se prese, elas acrescentaram 50 salgados, 25 docinhos e assim nasceu o Kit Fátima Durães Festas no valor de R$ 110.

O sucesso está na cara de felicidade dos clientes que passaram a mandar fotos de suas celebrações caseiras para redes sociais da boleira. A criação e cuidado com a página da marca no Instagram, por sinal, foi um divisor de águas logo no começo do negócio e fez toda a diferença no fluxo de vendas na pandemia. 

Com poucos conhecimentos sobre finanças, é a filha Victória, a Vic, quem sempre ajuda na precificação. “Estamos no processo”, diz a programadora e jornalista. “Separamos o custo total, incluindo as contas gás, luz e água, de uma determinada quantidade de bolo ou salgados, acrescentamos a mão de obra e 30% a 40% para o valor do lucro. Não é nada super tabelado, mas tem dado certo.” Em junho, o faturamento foi R$ 6 mil.

O trabalho exige dedicação diária. “Nada é um mar de rosas. Dificilmente você tem férias. Eu mesma só paro por uma semana nas festas de fim de ano. Então, é o que eu falo, enquanto no final de semana as pessoas estão fazendo festa, você está promovendo a festa”, ressalta Fátima. 

A rotina na pandemia tem sido puxada. Fátima revela que dedica entre 10 a 12 horas por dia ao trabalho. Em geral, não dorme antes das 1h da manhã e inúmeras vezes ficou até às 3 da madrugada para deixar tudo preparado e começar o dia seguinte às 5h. “Faço tudo sozinha, há dias que são 6, 7 entregas. Mas quando surge encomenda demais aciono e pago amigas de confiança para me auxiliarem com as coisas que já ensinei”.

Com as filhas Victória e Gabi: as meninas cuidam da parte criativa, cardápios e o operacional da empresa. Dona Fátima coloca a mão na massa e garante a qualidade e atendimento afetuoso (Foto: Acervo pessoal)

O negócio começou na cozinha caseira, pequena, de 11,5 m2, sem fogão industrial ou materiais profissionais. Mas dona Fátima nunca abriu mão de usar produtos de qualidade. “Não adianta comprar do mais barato para ter mais lucro porque você não vai conseguir clientes fiéis.”

Com o aumento dos pedidos, ainda em 2019, o espaço passou por uma reforma, com a instalação de uma bancada de granito. Só então dona Fátima investiu em uma nova geladeira e uma batedeira maior. O forno elétrico que usa apenas para assar salgados ela ganhou de presente da cunhada. Os bolos continuam assados no fogão convencional.

“É preciso pouca coisa no começo, de verdade, tudo vai sendo construído, devagar, conforme os pedidos.” Por falta de espaço, ela ainda não faz estoque de muitos produtos. “Só compro quantidade grande do que uso sempre, como ingredientes de bolo e óleo para fritura, e só se estiver em promoção!” 

Segundo Fátima, salgados de fritura podem ser congelados sem perder a qualidade. Mas as esfirras, não. Elas  precisam ser feitas no dia da venda. “É importante se atentar e sempre se atualizar sobre as formas adequadas de refrigeração, a embalagem e as condições de limpeza do ambiente. Tem que ter todo o cuidado, você não está fazendo uma comida pra sua casa, mas para outras pessoas. O cuidado com a limpeza e armazenamento é primordial”, avisa.

Muita emoção envolvida

Mas nem só de técnicas ou cuidados na produção fazem a diferença. Dona Fátima lembra que toda encomenda é cercada de expectativas. É importante ter uma conversa cuidadosa sobre o bolo com o cliente, tirar todas dúvidas, dar detalhes dos produtos.

Ainda que uma receita tradicional de bolo de abacaxi, por exemplo, conte com coco fresco ralado na cobertura, dona Fátima sempre pergunta se a pessoa quer mesmo esse ingrediente por cima do chantili. “É esse um grande diferencial, sabe? Caso contrário era só comprar um bolo qualquer no mercado ou na padaria. Se a pessoa quer um bolo de chocolate com recheio de doce de leite e cobertura de paçoca, a gente faz, entende? Do jeitinho que ela quer.” 

Estar de olho  aos hábitos alimentares da clientela também é parte do atendimento. Fátima produz o kit de festas também em opção vegana. Nessa versão, a coxinha é de jaca e as esfirras, de brócolis ou espinafre. Nenhum produto de origem animal vai nas massas de bolo, salgados ou docinhos. “Nessa área, meu plano é aprender mais e mais. Percebo que logo muitas pessoas vão migrar para o veganismo.”


O delivery é feito por ela e seu marido. “Ele trabalha durante a semana então, normalmente, as entregas são feitas no final da tarde e começo da noite. Mas sempre tem um ou outro cliente que precisa receber mais cedo e, aí, a  minha filha Gabi me ajuda por estar em casa durante a pandemia.” As taxas de entrega são cobradas de acordo com a distância de sua casa: De R$ 15 a R$ 20 para a zona Oeste e Sul, e R$ 10 para a Norte e Centro. 

 

Fátima ressalta que durante o isolamento, muitas encomendas de kit festa foram para presentear. O bilhetinho que acompanha cada encomenda sempre emociona. Recentemente, o singelo recado de “para o seu dia ficar feliz” foi entregue com seus quitutes para uma senhora de 68 anos. “Ela estava sozinha em casa e sorriu. Fico feliz por fazer parte de uma rede de carinho e amor.”

DICAS PARA MONTAR O SEU NEGÓCIO

  • ORGANIZE AS FINANÇAS E PRECIFIQUE PARA LUCRAR!

“Tem muito conteúdo na internet para aprender a precificar. Há planilhas ótimas para saber como calcular custos fixos como água, luz e gás”, conta Victória. É importante saber o significado de termos simples de economia como lucro, faturamento, déficit, custos fixos e variáveis, entre outros, para organizar seu negócio, ainda que seja pequeno. Quanto a possíveis prejuízos, ela afirma que inevitavelmente acontece. Para ter seu próprio negócio é preciso saber contornar as situações e pensar em alternativas. “Caso se programe para vender x quantidade e não saiam todos os produtos, faça promoções ou diminua sua margem de lucro. É melhor ganhar o mínimo do que sair perdendo, ficar com aquilo e estragar. Sinta aos poucos qual vai ser o processo das suas vendas”, conclui.  

  • CONSTRUA PÚBLICO E CLIENTES

Paciência é fundamental porque construção de cliente e público não é do dia pra noite. Mas, sobretudo, não abra mão da qualidade dos produtos que vende e da atenção que dá para cada pedido. As indicações passam a ser efetivas quando o cliente fica satisfeito. “Não pode desistir porque as coisas não são de uma hora pra outra. Mas vão acontecendo”, conta Fátima. 

  • PENSE NO CONSUMIDOR PARA ACERTAR NO CARDÁPIO

Segundo Victória, cardápio é questão de referência. Buscar canais que estão ensinando o que você quer produzir, pensar novas formas de apresentar o produto e sempre se atentar às novidades do mercado alimentício vai trazer diferencial para sua marca. Ela indica o canal do Youtube da Tábata Romero, do GNT,  que tem o objetivo de  incentivar o início de novos negócios dentro de casa. “Você pode conferir como reproduzir receitas que estão saindo bastante de maneira barateada. No fim do vídeo sempre rolam dicas de preço”. 

  • FAÇA DA INTERNET SUA ALIADA! 

Caso não tenha dinheiro para cursos ou não conte com internet sempre à disposição, muitos são os canais e plataformas para se informar. Vic, que sempre trás novas ideias para o pequeno negócio, aponta os canais que segue e considera  bons para auxiliar o sucesso das vendas. “Tem a Danielle Noce, que voltou a cozinhar, TPM por Ju Ferraz e alguns voltados para o veganismo, como Kamili Picoli e Mussinha. Acompanho essas pessoas e as ideias vão surgindo”.

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No Jaçanã, artistas vencem disputa por centro cultural com a polícia http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/10/no-jacana-artistas-vencem-disputa-por-centro-cultural-com-a-policia/ http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2020/07/10/no-jacana-artistas-vencem-disputa-por-centro-cultural-com-a-policia/#respond Fri, 10 Jul 2020 07:00:52 +0000 http://mulherias.blogosfera.uol.com.br/?p=4458

Com reportagem de Antonia Sousa, especial para o blog MULHERIAS

Essa é a crônica de um “Trem das Onze” que um grupo de artistas independentes da quebrada não perdeu. No Jaçanã –bairro periférico mais conhecido pela música de Adoniran Barbosa do que pelos baixíssimos índices de qualidade de vida, longevidade e renda–, a disputa pelo uso de um galpão de 120 m2 abandonado pelo governo teve um raro desfecho feliz. Feliz, finalmente, para quem aposta no poder da arte, educação e ação social em vez do aumento da repressão da polícia no combate à desigualdade.

Para compreender a vitória é preciso voltar ao ano de 2003, quando um Telecentro foi criado no terreno de uma movimentada avenida do bairro. Naquela época, a prefeitura levantou uma estrutura quadradona de sala única com laje e dois banheiros para o abrigar o programa de popularização e acesso a computadores e internet. O local funcionou muito bem até 2010, quando foi desativado. Coincide com esse período a popularização dos aparelhos celulares com internet e, claro, o maior acesso aos computadores domésticos mesmo na periferia.

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Durante quatro anos, só mato alto e ninhos de ratos cresceram no terreno de cerca de 800m2 que fica em volta da edificação. Tudo ali permaneceu trancado, sem nenhum uso social. Uma parede quebrada deixava o abandono ainda mais explícito e provocava medo em quem passava por ali à noite.

Enquanto isso, porém, a subprefeitura do Jaçanã, que também inclui o bairro do Tremembé, com o total de quase 300 mil habitantes, seguiu produzindo cultura. Grupos de rap, samba, teatro, clubes de leitura, coletivos de dança se organizavam. Foram fomentados de maneira independente, na esteira de movimentos que cresceram com programas de acesso da população periférica às universidades.

Com tanto público para consumir, trocar e produzir arte, os equipamentos culturais da região não deram conta do recado. Ainda não dão, aliás. Se nas regiões centrais e nobres de São Paulo concentram-se dezenas, até centenas, de espaços voltados para as artes, no fundão da zona Norte existem só quatro centros de cultura.

Em um dia qualquer de 2014, então, diferentes galeras passaram a se reunir no galpão largado ao nada. A Casa Cultural Hip Hop do Jaçanã foi surgindo aos poucos, com o esforço coletivo e da comunidade, mesmo sem luz, água encanada ou dinheiro público. “Foi no braço que a moçada fez tudo”, lembra Gabriela Santos, 23 anos, a Gaby.

Moradora do bairro e integrante da banda de MPB Matriarcas, Gaby conta com orgulho das atividades que viu nascer: “foi ação de muitos, juntos, transformando aquele abandono em local para ensaios e oficinas de tudo que é arte”, diz a estudante do terceiro ano de pedagogia. De memória, ela cita capoeira, dança, canto, percussão, puxada de rede, maculelê, samba de jongo, literatura, hip hop e cinema. 

As atividades se ramificaram ou viram novas iniciativas como o Sarau Sons Periféricos com oficinas de produção musical para mulheres artistas independentes e para o público LGBTQIA+, o coletivo de contação de histórias Conto no Pé da Árvore e o projeto “Ensaião”, que usando linguagens da dança, poesia, fotografia e audiovisual oferece oficinas de música tanto teóricas quanto práticas com a construção coletiva de composições de artistas da quebrada.

“Nossa, tanta coisa, né?”, completa a parceira de Gaby no Matriarcas, Catarina Nogueira, 23 anos, estudante de psicologia e produtora da banda. “Ali virou um espaço para articular e reunir forças, onde fazemos arte periférica para a periferia, onde enriquecermos nosso bairro com partilha das nossas vivências e sabedorias”, define.

Com a agenda de programação lotada e a casa “viva”, as paredes ganharam grafites. O gramado seco virou uma horta comunitária com couve graúda para a comunidade. Um cursinho preparatório para o vestibular com formação política da UneAfro passou a rolar no galpão. E se faltava água e luz, nada como o velho “gato” de energia elétrica e o puxadinho hidráulico; tecnologias de sobrevivência que toda  favela conhece. Assunto resolvido. 

A escritora Carolina Maria de Jesus estampa o material de divulgação da oficina de redação feminina, uma das atividades do local que é realizada pelo coletivo Fala Carolina!  (Reprodução Facebook)

Mas quem nunca aparecia por lá resolveu colar: a polícia. “Em 2019, antigas ameaças de reintegração e remanejamento do espaço para outra função se concretizaram numa notificação que informava que o local passaria a ser uma base da Guarda Civil Metropolitana [GCM]“, conta o professor de filosofia Davi Albuquerque, 36 anos, idealizador do cursinho pré-vestibular. “O argumento usado foi o de que o local estava abandonado e nenhuma atividade era realizada ali”, lembra Davi. “Foi revoltante.”

Curioso. O 73o. DP (Distrito Policial) da Polícia Civil fica a menos de 800 metros da Casa Cultural Hip Hop do Jaçanã. Na ocasião, em março do ano passado, mais de 20 coletivos parceiros se reuniram no local num fim de semana e promoveram o “Sarau Resistência”. Cerca de 300 apoiadores assinaram um dossiê que descrevia as atividades realizadas e o documento foi encaminhado a advogados. “Mas, no final das contas, os profissionais não encontraram o processo de reintegração da GCM e o caso ficou por isso mesmo”, informaram os articuladores da ocupação cultural em suas redes sociais.

Projeto da GCM para transformar a Casa Cultural em sede de uma inspetoria regional do agrupamento (Reprodução Ponte)

Até que veio a pandemia do coronavírus. Com a necessidade de isolamento e em respeito às normas sanitárias, as atividades presenciais da casa de cultura foram suspensas. “Permaneceram as campanhas de entregas de cestas básicas e de leite, como pólo de distribuição. O restante da programação passou a ser pela internet, em aulas de educação à distância, saraus em formato de live”, explica Davi.

O susto foi imenso, portanto, quando oficiais da GCM arrombaram o cadeado e as correntes que fechavam os portões do espaço, no dia 17 de junho passado. Só no dia seguinte os articuladores do espaço cultural foram informados que o ato era parte de uma reintegração de posse em curso. “Por causa da pandemia, corremos com poucas pessoas para o local. Usamos nossas redes sociais e lançamos mão do nosso poder de articulação com os movimentos de reconhecimento de ocupações para nos defender”, explica Davi. 

A defesa, porém, foi além. Na periferia ninguém anda só. Os articuladores do espaço no Jaçanã participam de um amplo movimento que reivindica segurança, respeito e apoio governamental às ocupações culturais. Desde 2013, o Movimento Cultural das Periferias reúne coletivos de toda a cidade que cobram reconhecimento por realizarem, de maneira independente e voluntária, ações que o próprio Estado deveria prover.

 

No dia 04 de julho, o diário Oficial da Cidade de São Paulo trouxe resultado do edital de Mapeamento de Ocupações Culturais do município. Entre as 17 ocupações reconhecidas está a do Jaçanã. A GCM arrombou o local mesmo assim. A prefeitura voltou atrás e comunicou que o espaço terá, sim, sua utilização mantida para fins culturais (Reprodução)

Como parte dessa articulação, meses antes da invasão da GCM a Casa Cultural Hip Hop do Jaçanã havia concorrido ao primeiro edital de Mapeamento e Credenciamento de Gestão Comunitária de Espaços Públicos Ociosos da cidade. E ganhou esse reconhecimento! O resultado foi publicado no veículo de comunicação oficial da prefeitura o dia 9 de junho, oito dias antes da investida da polícia municipal.

“A periferia enfrenta uma disputa simbólica contra o Estado, que só chega nos nossos territórios como força policial”, analisa Davi. A tentativa de sufocamento da arte e da educação passa por essa violência. “Entendemos  a cultura como um elemento poroso, que abre pontos de respiros em direção à construção de outras formas de sociabilidade”, completa.

E Davi explica: “a cultura dominante está baseada em processos competitivos e hierárquicos. Mas há espaços de contracultura, onde prevalecem a solidariedade coletiva e horizontalizada em ações simples, como o compartilhar de hortaliças com a comunidade. E é aí que reafirmamos a cultura como espaço de uma outra vida possível.” A política real consiste na formação dessas outras possibilidades.

Como ação preventiva, está em curso um abaixo-assinado que precisa de 7 mil assinaturas de apoio para solicitar uma petição para resolver o caso. A intenção é solicitar ao prefeito Bruno Covas um decreto em que, além do reconhecimento dos espaços, mantenha a gestão compartilhada pelos coletivos com a secretaria municipal de Cultura. 6.176 pessoas já assinaram. Para acessar o documento, clique aqui.

Os articuladores culturais e a comunidade comemoram timidamente a vitória da Casa Cultural Hip Hop do Jaçanã. Sabem que a periferia não pode nunca perder o trem. Nem o das Onze nem qualquer outro.

O que diz a GCM e a Prefeitura 

A GCM encaminhou as perguntas do blog MULHERIAS, enviadas diretamente para sua assessoria de imprensa, para a Secretaria de Comunicação da Prefeitura, órgão que responde diretamente pelo Gabinete do Prefeito. Foram ignorados os questionamentos sobre os responsáveis pelo processo de reintegração de posse em plena pandemia ou esclarecimentos sobre a necessidade de mandados judiciais não apresentados aos articuladores da ocupação.

Em nota, o órgão público informou: “a prefeitura de São Paulo, por intermédio das Secretárias Municipais de Cultura  e Segurança Urbana, informa que a  Casa de Cultura Hip Hop do Jaçana, terá sua utilização mantida para fins culturais.  A SMSU  irá reanalisar o processo  que  previa a instalação de uma inspetoria regional da GCM no local.”

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