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Cabeleireira de Liniker e Linn da Quebrada assumiu os crespos e virou diva

Flávia Martinelli

03/11/2017 11h19

Entre Linn da Quebrada e Karol Conka: "Nosso cabelo mostra que chegamos, com os dois pés na porta, pra dizer que não vamos ficar naquele lugar que foi colocado pra gente, sabe?" (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Mechas, tonalizantes, acessórios coloridos. Na rua 25 de Março, o centro de compras mais frenético de São Paulo, Diva Green abastece seu arsenal de produtos para cabelos. Mesmo na muvuca de camelôs, vitrines e vendedores em alto-falantes, ela chama a atenção. Uma menina de coque e uniforme escolar sorri. A atendente da loja, de franjinha escovada, espia de canto. O bordão "ela não anda, ela desfila", cairia tão bem à cena quanto uma bomba hidratante em dias de frizz.

A cabeleireira que cuida das madeixas das cantoras Tássia Reis, Linn da Quebrada, Liniker, entre outras celebridades cacheadas e crespas, é puro "close". Diva Green fecha, é lacre geral, tombamento. "O close é isso: é estar com você mesma num estado poderoso de pertencimento, de aceitação. E não só na festa, montada, mas em qualquer lugar ou momento, na sua casa de manhã mandando foto pro crush, brincando com seu filho, na rua, no busão…", diz, divando no coletivo a caminho do Divas Hair Style Center, seu salão que fica na Vila Matilde, na Zona Leste (assista ao vídeo).

Aos 10 anos, seu cabelo foi alisado por "orientação" da professora

O verde da cabeleira que virou codinome há quatro anos abriu caminhos. "Foi no auge da minha transformação pessoal que escolhi essa cor, quando eu já me sentia maravilhosa, e aí tudo passou a fluir melhor também", conta. Aos 32 anos, sua agenda está abarrotada.

Diva se desdobra para atender clientes no salão, dar aulas de formação de profissionais e cuidar pessoalmente de produções de celebridades ou modelos em clipes e propagandas. Paralelamente, ela ainda promove oficinas para mães aprenderem a cuidar de cabelos de crianças crespas. "Graças à Deusa, está surgindo uma geração consciente da beleza dos cachos e as mães não estão mais passando produto de relaxamento, como foi comigo."

Maravilhosidades: Diva cuida dos penteados de todas as integrantes do coletivo Rimas & Melodias (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Aos 10 anos, Diva já tinha cabelo alisado. "Era comum as professoras orientarem as mães a usar 'produtinhos' para controlar o volume e dar aquela 'abaixadinha' nos fios que ficavam pra cima", lembra. O cabelo naturalmente volumoso, no caso, era considerado desleixo e os tais produtos, química da pesada, muitas vezes com formol.

Diva Green tem planos de lançar uma linha própria de produtos "empoderados". Entre eles, mechas de cabelos coloridos nacionais para substituir os parcos carregamentos em tons monótonos que chegam da China. Para dar conta da crescente procura por tranças e apliques, também pesquisa produtos para importar da África e fortalecer o comércio do continente.

"Quando falam que a geração tombamento é moda, eu até fico brava." Para Diva, o interesse pela estética que valoriza as raízes africanas é parte de um movimento histórico e político que marca o posicionamento da mulher negra e periférica na sociedade. "Nosso cabelo mostra que chegamos, com os dois pés na porta, pra dizer que a gente não, não vai ficar naquele lugar que foi colocado pra nós, sabe?"

"Eu fazia alongamento de Panicat e achava que por usar o cabelo liso, com franja e lente de contato, era a moreninha aceita pela sociedade"

Diva fala das casas de família para limpar e subempregos em que "boa aparência" é sinônimo de cabelo liso. "Vamos estar no audiovisual, no empresariado, na medicina, na área estética… Com nossos cabelos naturais, de aplique, alisados, carecas, não importa, desde que possamos escolher, que não seja uma estética imposta: nós estaremos em todos os lugares."

Com Liniker durante o processo de transição capilar. Os fios crescerem ao natural até a retirada dos resíduos numa tesourada final, o chamado de Big Chop, o BC (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Ela sabe de seu papel na missão. "Aos 14 anos, quando passei a fazer tranças em mim, percebi que as trancinhas simples, mal feitas até, despertavam a vontade de outras mulheres se sentirem bonitas. Um penteado era capaz de plantar essa semente de bem-estar." Nessa época, Diva ainda era Amanda Coelho e atendia clientes em domicílios da na região da Cohab 2 de Itaquera, onde morava. Como cabeleireira profissional, trabalhando no centro, passou a usar escova progressiva.

"Eu fazia alongamento tipo de Panicat nas clientes e achava que por usar o cabelo liso, com franja e lente de contato clara, eu era a moreninha aceita pela sociedade", revela. "Estava ganhando a minha grana, criando a minha primeira filha, mas algo me incomodava". Foi na segunda gestação, de Lauren, há quatro anos, que esse entendimento como "mulher negra periférica e gorda" bateu.

Amanda foi se descobrindo Diva no processo de eliminação da química dos cabelos conhecido como transição capilar. Basicamente, consiste em deixar os fios crescerem ao natural até a retirada dos resíduos numa tesourada final. Esse momento derradeiro, auge da transformação, é o chamado de Big Chop, ou simplesmente BC, que em tradução livre significa grande corte.

A história da cliente que denunciou o racista no trabalho durante o processo de transição capilar

"Esse período de transição varia muito. Para algumas mulheres, dura dois, seis meses e pra outras chega a dois, três, quatro anos… É algo individual. No meio do caminho, a gente entra com processos de alongamento capilar, corte e trança, muitas vezes, pra compreender e buscar o que se adequa à nova identidade da cliente", explica.

Com Tássia, amiga e cliente: "o close é estar com você mesma num estado poderoso de aceitação" (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Diva faz questão de frisar que essa transformação é muito mais interna. "Pela autoestima a gente potencializa todas as outras coisas na nossa vida, né? Quando a gente não acredita que é poderosa, que a gente pode tudo e que é maravilhosa, se submete a relações abusivas de vários tipos: corporativas, amorosas, tudo." O cabelo transforma.

"Eliminei toda a estética que não me representava e que me foi imposta"

A cabeleireira conta a história de uma cliente que fazia progressiva e passou a usar um alongamento cacheado na transição. "Um colega de trabalho começou a dizer que o cabelo dela estava desarrumado. Conversamos sobre isso e eu perguntei: 'os teus relatórios estão em dia? Você está dando alguma brecha?' E, não! Ela havia sido promovida!"

Diva, então, disse com todas as letras o nome daquele comportamento: racismo. Antes do final da transição, a cliente levou o caso ao superior. O opressor nunca mais se pronunciou. "Mas, é aquilo, racismo é crime e a empresa também não fez nada além de coibir o criminoso. Falta muito para as corporações se posicionarem com diálogo, treinamento e representatividade", pontua.

Diva Green levou um ano para conhecer a ondulação, textura e movimento de seus próprios fios. "Tempo que precisei para aceitar e reconhecer que sou maravilhosa." O BC coroou a nova fase. "É um momento de glória, em que a gente fala: nossa, liberdade!". A retirada dos resíduos também foi simbólica. "Eliminei toda a estética que não me representava e que me foi imposta. Criei uma conexão poderosa comigo mesma de um modo geral". E, assim, Diva virou Green — uma força da natureza capaz de fazer até a rua 25 de Março tombar.

(Colaborou Juliana Avila, especial para o blog Mulherias)

Divando! (Foto: Arquivo Pessoal)

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Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.