Ela tinha salário de R$1500, um amor desfeito e visitou 16 países em 6 anos
Flávia Martinelli
06/02/2019 04h00
A professora Patrícia Ferreira dá dicas para viajar barato pelo mundo. "Comecei com uma desilusão amorosa na bagagem e R$ 50 para gastar por dia"
Com reportagem de Monise Cardoso especial para o blog MULHERIAS
Partindo para o Peru, em sua primeira grande viagem sozinha
Foi em 2013, que Patrícia Ferreira Rodrigues, de 35 anos, então professora da rede estadual de ensino de São Paulo, embarcou na viagem que mudaria a sua vida. Com o orçamento apertado e a desilusão amorosa de um casamento que terminou depois de 10 anos, ela deu o primeiro passo na jornada que já dura seis anos e acumula 16 países visitados, grandes aventuras e um novo amor.
A aventureira já rodou mais de 3.000 km num fusca conhecendo o litoral brasileiro, foi três vezes à Argentina e ao Uruguai, conheceu Peru, Chile e Bolívia. Foi para a Europa quatro vezes com roteiros diferentes – na primeira vez rodou a França de carro; na segunda visitou os países nórdicos, Inglaterra, Portugal e Espanha, na terceira fez a rota dos países envolvidos na Segunda Guerra Mundial, que foram ocupados pelos alemães; e na quarta vez conheceu a Itália e a Grécia. Ufa!
O primeiro destino foi o Nordeste. Patrícia comprou uma passagem de ida até Natal e a de volta partindo de Maceió. "A viagem durou duas semanas. Eu tinha R$50 para gastar por dia com almoço, jantar, passeios e transporte", conta. Mesmo economizando, a professora gastava em torno de R$15 a R$20 com alimentação e mais R$10 com transporte. Sem dinheiro para os passeios turísticos, Patrícia começou a desenvolver a habilidade da "sevirolologia". Ao ver grandes grupos de passeio, se apresentava aos guias e propunha que a levassem por um preço mais barato. "Eu dei muita sorte de conseguir me infiltrar em grupos, porque em lugares turísticos qualquer passeio custa R$50", lembra.
Diante do castelo de Carcassonne, na França
A viagem foi um divisor de águas na vida de Patrícia. Ela acabara de passar pelo processo de divórcio e, por questões de tempo de serviço como professora, conseguiu três meses de férias. Mas antes de embarcar estava sem ânimo nem pra sair de casa. "Sentia receio de encontrar meu ex ou um de nossos amigos pelo bairro", lembra. "Até que uma amiga me disse que seria um insulto eu passar as férias trancada no quarto e que eu deveria era tomar sol na praia. Em uma semana, comprei passagens e hospedagem no cartão de crédito. E fui", lembra.
Não por acaso, um dos grandes conflitos do relacionamento com o ex era o choque entre o espírito aventureiro de Patrícia e a natureza pacata do seu ex-parceiro. Enquanto ela sonhava em viajar, ele preferia ficar em casa. Com o tempo, a professora foi abrindo mão dos próprios planos. "Eu fui feliz durante muitos momentos mas eu tinha que me esforçar muito pra caber naquela configuração quadradinha de família. Não parecia certo ter que renunciar ao que era essencial pra mim, ao meu sonho de conhecer outros países, de viver o inesperado, de me arriscar", conta.
Na cara e na coragem
Já mais experiente depois do primeiro mochilão pelo Nordeste, Patrícia resolveu sair do país. A aventureira voou até o Acre, de lá atravessou para o Peru e foi para o Valle Sagrado, em Machu Picchu, desceu para Arequipa, na região do Canion del Coca, de onde partiu para o Chile, chegou à Bolívia e voltou ao Brasil por Corumbá (MS). Um roteiro inesquecível. E bem em conta.
Cadernos de bordo
Nessa viagem o orçamento era de mil dólares para passar 30 dias nos três países bancando alimentação, hospedagem, compras, passeios e transporte. "Confesso que senti muito medo. O primeiro deles era de ser roubada, já que eu andava com parte do dinheiro no bolso e outra escondida no sapato. Em segundo lugar, porque em uma viagem longa você nunca sabe o que vai encontrar, quanto vai custar e tem que sobrar grana até o último dia."
Mais uma vez, Patrícia foi se virar para conhecer pontos históricos sem desembolsar tanto dinheiro. Um dos truques foi ir às missas das igrejas históricas em vez de visitar os locais no horário dos turistas, que é pago. Outra saída foi pernoitar em lugares muito baratos, às vezes até usando seu próprio saco de dormir. A professora até já passou noites em garagens de ônibus, rodoviárias e praças. Almoçar e jantar pão também rendeu a economia de alguns dólares, além de caminhar mais de 20 km por dia para queimar as calorias e poupar em passagens de ônibus. "Reconheço que acabei exagerando na economia e no final da viagem me sentia tão rica que dormi em hotel bacana, comprei presentes pra mim, pra família toda e ainda voltei pra casa com mais de 100 dólares no bolso. Aprendi que não precisa ser tão 'roots' pra economizar dinheiro", conta.
Mas antes de voltar ao Brasil, no último dia de viagem, Patrícia viveu o que menos esperava: conheceu seu atual marido. O encontro foi durante um passeio na Bolívia. "Eu estava passando mal por causa da intoxicação com água contaminada. Enquanto o grupo andava rápido, ele ficou para me ajudar", lembra. Mesmo o rapaz sendo poliglota e ela patinando no portunhol, eles conversaram e começaram um relacionamento.
Na época, o atual companheiro de Patrícia, que é francês, morava no Uruguai, mas se mudou para São Paulo onde se casaram. Hoje, vivem em João Pessoa (PB), dividem a paixão por viagens e tocam um negócio de empanadas argentinas. Patrícia deixou de ser professora.
Mesmo com um marido viajante, ela continua se aventurando sozinha, isso porque nunca quis abrir mão da adrenalina de precisar se virar sem ajuda de ninguém. "Ele já morou na Alemanha, Israel, Argentina, Canadá e Uruguai e entende perfeitamente meu fascínio. Nos conhecemos quando ele já estava cansado de viajar e eu estava apenas começando", diz a aventureira que ainda tem muita estrada para rodar.
Se joga, mulher
Patrícia no Coliseu, em Roma
Antes de se aventurar, Patrícia confessa que sempre se achou uma mulher frágil demais para encarar adversidades. Com as viagens, aprendeu o quão forte e corajosa pode ser. "Nós, mulheres, somos educadas para nos moldarmos muito mais que os homens, por isso não nos damos a chance de descobrir até onde podemos ir", diz.
A viajante lembra, que no primeiro dia da viagem à Bolívia, o avião fez uma parada imprevista de um dia. Por conta disso, perdeu o ônibus que só partia uma vez por semana. "Ativei o modo 'drama queen' e me acabei de chorar, morria de dó de mim mesma. Até descobrir que choro não resolveria nada e que teria de me virar", lembra.
Pedindo informações, Patrícia descobriu que poderia pegar um ônibus até a cidade vizinha, atravessar a fronteira de carona, depois pegar outra carona até a rodoviária e embarcar em um ônibus que tinha intervalos de quatro horas. "Deu certo! E de quebra sentei ao lado de um menino muito bacana que me ofereceu a casa dele pra ficar, já que meu ônibus só sairia de madrugada. A família dele me hospedou por três dias e passamos o Ano Novo juntos", conta. Aprendizado de Patrícia: para evitar frustrações diante de imprevistos, faça roteiros livres. "Dessa forma, há menos chance de problemas com atrasos, cancelamentos e surpresas", explica.
É claro que nem sempre deu tudo certo em suas andanças. A professora já tomou calote de hostel, precisou dormir na rua e foi parar na delegacia. "Eu estava em Praga, dormindo na frente de uma delegacia, abraçada com a minha mochila, quando dois policiais vieram me interrogar. Eles não falavam inglês, então rodaram comigo na viatura por um tempo e depois me devolveram pra rodoviária. Nem sei o que disseram, mas como eu até consegui cochilar na viatura, não esquentei", ri.
Em meio às enrascadas, a professora também encontrou pessoas generosas, embora um tanto excêntricas. Em Cracóvia, a viajante teve dificuldade de achar hostel porque mal conseguia decifrar as placas e não encontrou ninguém que falasse inglês. "Comecei a gesticular, apontando para o mapa e fazendo cara de interrogação. Até que uma mulher me pegou pela mão e foi me arrastando até a estação de trem, entrou comigo e pagou minha passagem. Em determinada estação, sem muita gentileza, ela me empurrou pra fora do metrô e apontou a saída. Não trocamos uma palavra. Só deu tempo de gritar ' Dziekuje' (obrigada) e logo descobri que estava pertinho do hostel", conta, bem humorada.
Para sacar ainda mais o astral da professora, confira no vídeo outras ótimas histórias que ela contou no canal do YouTube Ter.a.pia, que reúne relatos incríveis de pessoas comuns diante de uma pia, lavando louça em suas cozinhas.
10 dicas para começar
Viajante profissional, Patrícia dá algumas dicas para quem quer se aventurar com pouca grana na carteira:
- Se estiver viajando sozinha, descubra se no hostel/hotel há grupos grandes de amigos e se eles têm passeios fechados. Tentar embarcar com eles é uma boa porque quanto mais gente, mais barato fica o serviço. E você geralmente é bem recebido.
- Em muitos lugares é comum ter dias e horários de visitas gratuitas em museus, palácios e parques. Pesquise!
- Comer lanche no almoço economiza tempo e dinheiro. Prepare no hotel, carregue na mochila e coma em qualquer lugar. Com o dinheiro economizado, você pode se permitir uma bela refeição a cada dois ou três dias para apreciar a culinária local.
- Na Europa, o deslocamento entre um país e outro é feito de avião porque as empresas cobram barato, há passagens até por 10 euros. Mas vale optar por ônibus e trens também. Eles são confortáveis e, acredite, podem sair mais baratos. A Agency Bus é um serviço que opera em todo o leste europeu e compensa.
- Monte roteiros temáticos, com lugares que tenham conexão, assim você tem a chance de imergir na história do local. Um dos roteiros preferidos de Patrícia foi pelas antigas civilizações da Itália e da Grécia.
- Pesquise muito sobre o destino: os lugares bacanas e baratos pra comer, os dias de entrada gratuita, os pontos de encontro de "Free Walk Tour". Tem de tudo na internet.
- Leia relatos de viagens para aprender a fugir de roubadas e de golpes "pega-turistas".
- Sua mochila é sua vida e não pode sair da sua mão. Celular, dinheiro, documentos e passagens estarão sempre dentro dela.
- Aprenda os cuidados básicos necessários em cada destino. Na Bolívia, por exemplo, não se pode consumir nada que não tenha sido feito com água fervida porque há grandes chances de infecção intestinal.
- Descubra o seu perfil de viajante. Se você não tem disposição para passar perrengue, opte por agências de viagens que vão resolver tudo pra você. Mas se gosta de aventura, fuja de roteiros prontos, pois há grandes chances de ficar entediado e frustrado com os lugares que não poderá visitar.
Sobre o autor
Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.
Sobre o blog
Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.