Onde fazer terapia de graça ou a preços simbólicos nas periferias de SP
Mulherias
25/02/2019 05h00
Atendimento psicológico promove o autocuidado a mulheres da quebrada
Com reportagem de Hysabella Conrado, especial para o Blog MULHERIAS
As musicoterapeutas Estela Cândido e Waleska Tigre, do Coletivo MT, em encontro com grupo de mulheres no Grajaú. As profissionais são moradoras da região e oferecem sessões gratuitas, às 10h30 da manhã, todas as segundas-feiras (Foto: Coletivo MT/Divulgação)
Fazer terapia pode ser um tratamento distante para muitas mulheres em São Paulo, sobretudo para as que moram longe dos grandes centros. O cotidiano de jornadas duplas de trabalho, longos períodos no transporte público e ainda uma rotina de estudos pode tornar inimaginável um tempinho na semana para cuidarem de si mesmas e pensar em suas questões íntimas. E ainda existe a questão do custo que, sim, pesa muito na decisão de buscar auxílio profissional.
Diante disso, o Blog MULHERIAS traz uma seleção de serviços terapêuticos com profissionais que estão atentos às essas peculiaridades. Tem musicoterapia no extremo Sul da cidade, roda de terapeutas focada em mulheres negras que está prestes a retomar as atividades nas quatro as regiões da metrópole e, ainda, faculdades de psicologia da Zona Leste que oferecem acompanhamento psicológico para os moradores da região em que estão localizadas. Ter um momento seu, só para você, é uma questão de saúde.
Musicoterapia em grupo
Além da dificuldade do acesso, muitas vezes há o embaraço da quebra do silêncio em grupos de terapia. No extremo sul de São Paulo, o Coletivo MT trabalha com essa questão por meio da música. Há três anos o grupo oferece musicoterapia para mulheres no Centro de Cidadania da Mulher da Capela do Socorro, no Grajaú.
O projeto foi idealizado em 2016 por Waleska Tigre, moradora periférica da Zona Sul e que na época fazia faculdade de Musicoterapia. "A ideia inicial foi usar as técnicas apenas para mulheres vítimas de violência mas diante da dificuldade de algumas contarem suas histórias, o coletivo abriu o grupo de musicoterapia para toda e qualquer interessada maior de 18 anos", lembra Waleska.
"Nessa modalidade de terapia, os conteúdos podem ser expressados e trabalhados sem que as mulheres precisem expor verbalmente o que elas estão sentindo", explica Daniel Santana, um dos quatro musicoterapeutas que compõem o coletivo. De acordo com o especialista, a partir de recursos sonoros como instrumentos musicais ou sons corporais é possível identificar pontos de tensão que podem estar ligados à violência doméstica ou à depressão.
No primeiro encontro, é realizada atividade para as mulheres percebem melhor o próprio corpo e a sonorização que ele produz. Neste momento, elas são convidadas aos exercício de respiração, automassagem e a notar os sons o corpo faz a partir da fala ou percussão na própria perna ou no tórax. "As técnicas permitem notar a evolução do processo terapêutico a partir da interação com o grupo e exploração dos instrumentos", conta Daniel (ao centro). Da esquerda pra direita, as outras integrantes: Verónica Lelis, Waleska Tigre e Estela Cândido. (Foto: Edson Fell/Divulgação)
A musicoterapeuta Estela Cândido esclarece que o com o passar do tempo, as mulheres percebem que aquele é um momento especial dedicado à reflexão sobre questões de saúde emocional, autocuidado e intimidade. Os principais incômodos levados pelas mulheres estão relacionados à violências físicas e morais, a relacionamentos abusivos e a queixa pela falta de tempo para si.
"Moramos nessa região, frequentamos os mesmos equipamentos públicos e sabemos das dificuldades. Em algumas situações, é como se houvesse um espelho diante de nós, do coletivo, que diz: essa pessoa, o que ela vive é uma coisa muito subjetiva, mas demonstra um recorte histórico, contextual e político que é nosso", diz Estela.
Como participar:
Coletivo MT atende no Centro de Cidadania da Mulher da Capela do Socorro. Os encontros acontecem toda segunda-feira, das 10h30 às 11h30 e é gratuito. Para integrar o grupo, basta um cadastro com dados básicos. Não há limite de encontros.
Endereço: Rua Professor Oscar Barreto Filho, 350, Grajaú
Contato: (11) 5927-3102 / 5929-9334
Terapia nas universidades da Zona Leste
Algumas universidades oferecem terapia e acompanhamento psicológico para os moradores das regiões em que estão situadas. Os atendimentos são feitos pelos próprios alunos dos cursos de Psicologia, supervisionados por seus professores.
A Universidade Cruzeiro do Sul, por exemplo, oferece o serviço no campus São Miguel, no extremo leste de São Paulo. O primeiro passo é se inscrever e passar por uma avaliação com um assistente social que, de acordo com o que for levantado, faz a estimativa de um preço simbólico para que a pessoa interessada possa pagar uma vez por mês. Neste primeiro semestre de 2019, a grande demanda da região, a universidade está recebendo apenas pessoas que tenham encaminhamento médico ou escolar, no caso de crianças.
Já a Universidade São Judas promove o atendimento de forma gratuita no campus Mooca, também na zona leste. A interessada se inscreve pelo telefone ou pessoalmente e fica numa fila de espera. Após ser convocada, os atendimentos ocorrem uma vez por semana, durante 50 minutos. O serviço pode ser utilizado por um ano, depois desse período a paciente retorna para a fila de espera e aguarda uma nova convocação.
Como participar
Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL
Endereço: Campus São Miguel, Rua Taiuvinha, 26
Contato: (11) 2037-5853
De segunda à sexta-feira, das 10h às 20h, e sábados, das 9h às 11h.
Universidade São Judas Tadeu – Clínica de Psicologia Aplicada
Endereço: Rua Marcial, 45 – Mooca
Contato: 2799-1831
De segunda à sexta-feira das 10h às 22h e aos sábados das 8h às 14h.
Atendimento a mulheres negras nas periferias com custo que a paciente puder arcar
"Quando a gente fala de mulheres negras, falamos de uma sobrecarga. E quando falamos de uma mulher negra que mora na periferia, é mais uma sobrecarga", explica a psicóloga Ana Carolina Barros, idealizadora da Roda Terapêutica das Pretas, grupo voltado para o atendimento e assistência psicoterapêutica para mulheres negras em São Paulo.
"Não acreditamos que a nossa posição clínica seja neutra. A nossa posição é demarcada: a gente se colocou como um projeto feminista, anti-racista, antifascista e anticapitalista. E entendemos que o espaço da cidade é desigualmente dividido", explica.
Em 2016, Ana Carolina atendia em uma clínica pública, onde era a única psicanalista negra. Ao notar a procura crescente de pacientes em busca de atendimento com uma terapeuta negra, teve a ideia de reunir interessadas em tratamento em grupo. Em um formulário de internet, pediu às interessadas contarem o porquê de estarem procurando o atendimento. Na primeira semana, recebeu 50 inscrições. Em um mês, 240. Daí surgiu o projeto de psicólogas negras para mulheres negras, a Roda Terapêutica das Pretas, com atendimento nas regiões periféricas de São Paulo. Alguns atendimentos foram feitos em biblioteca e na casa emprestada
Hoje, a Roda é composta por dez psicólogas negras e atua com grupos terapêuticos que têm começo, meio e fim. O coletivo conta com o apoio do ELAS, um fundo de investimento social para mulheres ativistas, para manter o projeto que no momento está em processo de organização de estrutura interna.
A proposta é oferecer o atendimento para as mulheres que não acessam esse serviço facilmente. Por isso, os encontros são organizados na zona sul, zona leste, zona oeste e zona norte. Não há um preço fixo, cada mulher paga o que estiver dentro das suas condições financeiras
A grafiteira Nenê Surreal (à esq.) criou o logo oficial da Roda Terapêutica das Pretas (RTP). Na foto, as profissionais do grupo: Aline Pereira, psicoterapeuta e coordenadora clínica; Daniela Trindade, psicóloga que participou do projeto; Carolina Cristal, psicoterapeuta e coordenadora de mídias; Elisangela Lopes, psicoterapeuta; Anastácia David, supervisora clínica; Aline Campos, psicóloga e coordenadora administrativa; Elânia Francisca, psicoterapeuta e oficineira e Milena Cristina, psicoterapeuta.
"Mulheres procuram psicólogas negras porque já sofreram racismo em outros consultórios ou em outro contexto terapêutico. Procuram por sofrer racismo e machismo na vida" explica Ana. Outros comuns nos relatos é o racismo no meio acadêmico e perda de familiares em situações de violência. "À medida em que elas vão se abrindo, percebem que o que vivem não é uma coisa completamente particular. Ser atendida por uma psicóloga negra, que é mulher negra assim como ela, traz o empoderamento de estar junto com outras mulheres que podem passar pelas mesmas situações", comenta a psicóloga Aline Campos, que faz parte da Roda.
Como participar:
A agenda de atendimentos da Roda Terapêutica de Pretas de 2019 ainda não está disponível. Mas é possível acompanhar novidades sobre os próximos grupos pelo facebook da Roda e mandar email sobre o interesse para rodaterapeuticadaspretas@gmail.com.
Sobre o autor
Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.
Sobre o blog
Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.