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Dicas sem romantismo de Monique Evelle para empreendedoras da periferia

Flávia Martinelli

22/11/2019 04h00

 

Aos 25 anos, a jornalista e empreendedora baiana lança primeiro livro com conselhos

Aos 25 anos, a jornalista e empreendedora baiana lança primeiro livro com conselhos "na real" para quem tem o próprio negócio: "empreendemos por sobrevivência e sabemos fazer gestão de crise. A a diferença é quando a gente entende que tem essas habilidades" (Foto: Acervo pessoal) 

Por Amanda Stábile, especial para o blog MULHERIAS

Monique Evelle sempre começa suas apresentações reafirmando seu nome e sobrenome, para ficar gravado, "senão o racismo coloca nome na gente". Na última terça-feira, durante o lançamento de seu primeiro livro, "Empreendedorismo Feminino: olhar estratégico sem romantismo", em São Paulo, não foi diferente.

A empresária, que cresceu no bairro de Amaralina, na periferia de Salvador, tem 25 anos e coleciona qualificações. Foi repórter da Globo no programa Profissão Repórter, é bacharel em Política e Gestão da Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), jornalista e criadora de conteúdo, já participou de três TEDx, conferências nas quais idealizadores do mundo todo são convidados para compartilhar suas experiências.

Monique no TEDX:

Monique empreende desde os 16 anos quando criou o Desabafo Social, projeto que começou em 2011 como grêmio estudantil e hoje é uma organização com atuação nacional, promovendo a educação em direitos humanos e inovação política por meio de formações e curadoria, fomentando, dentre outras coisas, o empreendedorismo social. Também está à frente de grandes empresas como a Evelle Consultoria, a Sharp, uma empresa de inteligência cultural, e Agência Responsa. Em 2017, a empresária foi reconhecida pela revista Forbes no ranking "30 under 30", de jovens empreendedores e criadores abaixo dos 30 anos, que estão transformando o mundo.

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"Quando eu comecei, eu não sabia que estava empreendendo. A gente quer criar soluções para o mundo, ainda mais quando se é de quebrada", contou. Ela defende que empreendedorismo na quebrada é sobrevivência: "a periferia sempre faz as coisas funcionarem porque é na ausência que a gente cria as coisas mais fodas do mundo. Embora não sejamos reconhecidos como inovadores. Sempre chamam de gambiarra, inovação é quando vem pro asfalto".

E exatamente para ajudar as mulheres a se identificarem como empreendedoras que Monique escreveu seu primeiro livro. "O machismo também está nessa questão dos termos: homem, independentemente do que ele faça, não é empreendedor, ele já é empresário. Para a mulher as pessoas criam divisões e isso está errado", explicou.

O livro 'Empreendedorismo feminino: Olhar estratégico sem romantismo

O livro passa por todas as etapas da construção de um negócio e traz análises de contexto, estratégia e precificação, relacionamento e comunicação. Custa R$ R $34,90, da editora Memória Visual (Foto: Reprodução Instagram)

Como boa virginiana ela também confidenciou que o livro foi escrito para sistematizar as vivências deste um quarto de século recém completo e para dar conselhos realistas e de pé de ouvido para outras empreendedoras. "Alguém precisava falar sobre esse tema com as mulheres de maneira não romântica. Eu espero que faça sentido para o contexto de cada uma e que as pessoas entendam as suas potências", disse.

Em  entrevista para o blog MULHERIAS, a empresária deu algumas dicas para mulheres empreendedoras e, especialmente, para as negras e periféricas. Confira:

1- Preto e dinheiro não são palavras rivais
Nós estamos falando mais abertamente sobre isso agora. Teve um erro das outras gerações de não conseguir falar sobre grana, mas preto e dinheiro não são palavras rivais. É importante falar sobre isso porque a gente sempre teve culpa, medo ou odiou quem tem dinheiro. Tudo que criaram em torno do dinheiro para dizer que a gente não pode ter isso faz com que a gente rejeite a grana. Com as empreendedoras que também são negras é a mesma coisa: a gente vai rejeitar porque vamos ser chamadas de mercenárias. Mas é importante entender que se você não está ganhando dinheiro com o seu negócio, alguém está. Tem uma música do Emicida que fala:

"Odeio vender algo que é tão meu
Mas se alguém vai ganhar grana, então que seja eu
[…]
E os que não quer dinheiro
É porque nunca viu a barriga roncar mais alto do que o eu te amo"

Assista ao vídeo:

2- A ascensão social não embranquece ninguém
Se você é uma mulher preta, pode ter a empresa faturando do jeito que for, mas na hora de negociar vai ser horrível porque você é preta e na hora de entrar no evento vai ser horrível porque você é preta. Não vão entender que você é a dona da empresa, não vão entender que você é palestrante. Então, tudo que uma mulher periférica e uma mulher que também é negra passa no dia a dia, você vai passar como empreendedora, só que com mais força dentro dos negócios. A realidade vai ser assim, ainda mais quando você está neste lugar falando de dinheiro. A ascensão social não embranquece ninguém. Você vai tentar falar de grana quando a sociedade sempre disse que o dinheiro não era para a gente.

3- Vão dizer que o que você faz não é inovação
Inovação é fazer funcionar, mas as pessoas criam termos o tempo todo, nomes e mais nomes para dizer quem faz parte, quem é inovador ou não. A periferia sempre fez as coisas funcionarem porque é na ausência que a gente cria as coisas mais fodas do mundo. Mas não vamos ser reconhecidos como inovadores, vão chamar de gambiarra. Ninguém dá credibilidade como inovação. Inovação é quando vem pro asfalto.

4- É necessário ter estratégia e organização
Nós sabemos fazer gestão de crise, comunicação e temos pró-atividade. Na quebrada tudo isso é questão de sobrevivência, porque se a gente não faz isso não vamos existir. Nada disso foi ensinado e sempre fizemos, a diferença é quando a gente entende que tem essas habilidades. Os mestrandos e doutorandos só sistematizam tudo o que a gente já faz e depois nem podemos usufruir disso. Então, precisamos de estratégia e fazer as coisas de forma organizada o suficiente.

5- Aproveite as oportunidades
No livro eu falo da síndrome da reclamação e oportunidade estagnada. A explicação é simples: é quando nada nunca está bom e rejeitamos as oportunidades por diversos motivos. Pode ser porque está caro, quando é de graça é porque é longe ou porque você está cansada. E vai ter um momento que as oportunidades vão cessar. Por isso, é preciso aproveitar as oportunidades enquanto as temos.

6- Prefira o medo que impulsiona
Na vida, mas também no mundo dos negócios, há um medo que paralisa e um medo que impulsiona. Se a gente paralisa, vamos entrar no jogo do colonizador. Isso não significa que a gente tem que ficar na luta o tempo todo para ser 3 ou 10 vezes melhor. Não é sobre isso. É sobre estar em movimento para que as coisas se movimentem também. Eu prefiro ficar com o medo que impulsiona.

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.