Jovens, modernas e sustentáveis: conheça a nova geração de costureiras
Flávia Martinelli
27/12/2019 04h00
Ana Rita, Jéssica e Lara cresceram embaladas pelo barulho das máquinas de costura de suas mães e avós e optaram por empreender no ramo. Confira as dicas da profissão que hoje dialoga com a pegada ecológica e é uma opção de trabalho em dia com as demandas do planeta (Foto: Reprodução Facebook)
Por Amanda Stabile, especial para o blog MULHERIAS
Historicamente, são femininas as mãos que produzem tecidos e roupas, bordam e remendam. O ofício da costura, passado de geração a geração já foi extensão das tarefas do lar mas, ao longo dos séculos virou profissão famosa por dar autonomia e independência financeira para as mulheres. A revolução industrial dos séculos 18 e 19 levou as mulheres às fábricas e no último século houve uma produção desenfreada de peças praticamente descartáveis, que não levaram em conta o impacto da moda no meio ambiente. Hoje, felizmente, a produção de roupas de forma artesanal e em menor escala, também chamada de slow fashion (moda lenta), é um nicho de mercado que tem crescido em pequenos ateliês de costureiras em dia com as demandas do planeta.
Para Ana Rita Machado, 33, mãe, professora de modelagem e empresária, a costura representa, além de uma fonte de renda, a possibilidade de imprimir a própria identidade nas roupas que cria. "É identidade e respiro. Onde você pode pôr um pouquinho da sua visão de mundo e é um jeito de se comunicar também", explica.
A empresária se formou em Rádio e TV e até trabalhou na área, mas costurando as próprias roupas e das amigas acabou tomando cada vez mais gosto pelo ofício, algo que já tinha sido influenciado pela mãe. "Minha mãe, antes de eu nascer, já teve marca de bonecas. Ela sabia costurar muito bem, era uma artista, fazia um milhão de coisas. Ela não chegou a me ensinar a costurar, mas me ensinou ponto cruz, crochê, tricô. Então eu peguei gosto por trabalhos manuais", conta.
Ana Rita cria, desenha, modela e costura para o público que se preocupa com forma de produção das peças e a sustentabilidade. Os preços das roupas de sua marca, O Patuá, variam de R$ 35 a R$ 145 e a empresária consegue um lucro de, em média, 60% sobre as peças. "Vale a pena" (Foto: Acervo pessoal)
Moradora do bairro do Tucuruvi, na Zona Norte da capital paulista, desde que apenas engatinhava, hoje, cultiva no quintal, nos fundos da casa, um ateliê de costura. Há cinco anos, montou a própria marca, O Patuá, cujo símbolo é uma figa e o nome foi escolhido pensando nas roupas como amuleto. "Para mim tem a ver com a roupa da sorte. As pessoas falavam que era a camisa da sorte, o vestido da sorte e eu gostava desse tipo de feedback. Aí eu falei: é isso, a roupa como amuleto. Um produto que a pessoa coloca para se sentir protegida", explicou.
Ana Rita cria, desenha, modela e costura todas as peças, que são produzidas em pequenas quantidades e variam de samba-canções e vestidos a cartucheiras para fotógrafos e profissionais do audiovisual. "O meu público são pessoas que geralmente trabalham em áreas ligadas ao design, à fotografia, à arte e ao jornalismo. Basicamente eles vêm de lugares onde você pode trabalhar com roupas mais informais. E eu crio as roupas pensando nos rolês que os meus clientes gostam de fazer, rolês que tem cara de quintal, de 'to à vontade', a céu aberto."
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A valorização desse mercado também encontra fundamentação na crescente preocupação do público com a forma de produção das peças e a sustentabilidade, considerando que a indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas Meio Ambiente, a indústria da moda responde por cerca de 10% das emissões globais de gases-estufa, poluindo mais que navios e aviões. Ainda, é o segundo setor da economia que mais consome água e descarta toneladas de roupas nos aterros todos os anos.
"Também é necessário considerar desde o agrotóxico que jogam no algodão, passando pelo tingimento, pelo descarte de retalhos, resíduos e peças velhas, enfim. Então, essa consciência já está muito presente no mundo da moda", explica Ana Rita. Por este motivo e pela tendência da valorização do produtor local e de comprar de quem conhece, considera que a moda artesanal é um nicho que vale a pena.
As peças da marca variam de R$35 a R$145 e a empresária consegue um lucro de, em média, 60% sobre as peças. "Para eu sair do meu mercado manual para voltar a ser CLT tem que pagar realmente super bem, considerando também esse controle que eu tenho do meu tempo. Tem vários bônus em ser empreendedora, claro que tem o ônus, mas eu acho que o bônus é bem alto e é muito mais do que financeiro", pontua.
A costureira Jéssica Campos explica que para iniciar no mercado da moda artesanal não é necessário investir milhares de reais de uma só vez. Aos 22, criou a própria marca de roupas, a Jazz Nigazz, em 2011. "Algumas pessoas pensam que já entrei nessa área com muita grana, mas é muito pelo contrário. Comecei com pouco dinheiro e com o tempo fui criando uma rede com pessoas que sempre indicavam o meu trabalho e fui crescendo", explica.
A empresária de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, conta que foi influenciada pela avó, Dona Geralda, que sempre trabalhou na área e costurava as roupinhas de suas bonecas. Jéssica fez graduação em moda trabalhando em uma lanchonete durante o dia e chegando na faculdade três conduções mais tarde. Mas valeu! (Foto: Acervo pessoal)
Quando concluiu a faculdade já não queria mais trabalhar para fora, queria ter o próprio negócio. "Então comecei a customização de jeans. Com o tempo fui criando espaço e cativando muitas meninas sobre a personalidade da marca, mas meu sonho de fazer meus vestidos ainda existia", confidencia. Com a grana que levantou, investiu em outros cursos e começou a desenvolver as próprias peças.
Jéssica reforça o potencial transformador que produzir as próprias peças de forma artesanal tem na sociedade, porém acredita que o movimento de fortalecimento dos pequenos empreendedores poderia ser mais forte. Uma dica que a empresária deixa para quem deseja iniciar no mercado é ter a própria identidade, trabalhar com um nicho específico e ter foco.
Lara:"As máquinas domésticas têm um preço de R$ 600 a R$ 1000 e uma overlock doméstica também fica nessa faixa. Eu sempre fiz os vestidos nessas máquinas e depois fui melhorando. Você também vai precisar de uma mesa de corte, mas consegue começar na sua própria casa e à medida em que o negócio for crescendo, você vai crescendo junto e investindo mais" (Foto: Acervo pessoal)
Assim como ela, Lara Rogedo, também cresceu embalada pelo som da máquina de costura de sua avó. "Quando eu entrei na faculdade de Design de Moda ela faleceu, então eu nunca tive a chance de compartilhar isso com ela", lamenta. A mineira de Belo Horizonte tem 29 anos e se apaixonou pela parte técnica da profissão. Hoje, além de dar aulas em cursos online e presenciais e de tocar seu ateliê, compartilha seus conhecimentos com milhares de pessoas por meio de seu blog Algodão Cru.
Em 2014, Lara também criou um canal no Youtube, que hoje já conta com quase 300 mil inscritos e, ao total, soma mais de 12 milhões vizualizações. "Eu dei o nome de Algodão Cru porque esse é o tecido que eu faço a tela da roupa, como se fosse o rascunho. Toda roupa que eu vou criar, faço primeiro nele. Então, esse nome simboliza um papel em branco, pronto para ser desenhado e que pode se transformar em muita coisa", explica. Abaixo, assista uma das aulas de mais sucesso do canal, que mostra como dar os primeiros passos na costura:
A empresária conta que também começou no mundo da moda costurando para si e suas amigas e confeccionando vestidos de festa sob encomenda. "Eu fui aprendendo tanto com os cursos que eu fiz quanto com a experiência. Montei um quartinho de costura na casa da minha mãe e fui fazendo esses vestidos com máquinas domésticas mesmo", diz.
Lara reforça que, para começar a trabalhar com modelagem e costura, não é necessário um investimento muito alto. "As máquinas domésticas têm um preço de R$600 a R$1000 e uma overlock doméstica também fica nessa faixa. Eu sempre fiz os vestidos nessas máquinas e depois fui melhorando. Você também vai precisar de uma mesa de corte, mas consegue começar na sua própria casa e à medida em que o negócio for crescendo, você vai crescendo junto e investindo mais", aconselha.
Quando criou o canal pensou que seu público-alvo poderia ser composto por várias "Larinhas", meninas parecidas com ela, estudantes de moda e fascinadas pela parte técnica da costura. Mas percebeu que atinge públicos diversos como meninas periféricas e até senhoras da terceira idade. "Eu recebo várias histórias de mulheres que conseguiram uma independência financeira com a costura. E também de pessoas que estão em um momento difícil de desemprego e estão criando o próprio negócio, empreendendo dentro de casa sem muito investimento, mas já conseguindo lucrar com a costura", conta.
Outro motivo apontado por Lara para as pessoas começarem no mercado da moda artesanal é que a indústria da moda, com a produção em grande escala e em moldes padronizados, não atende a corpos de manequins singulares. "Apesar de a moda estar se democratizando cada vez mais, ela ainda é pouco democrática. Eu vejo isso porque eu tenho alunos nos cursos online de vários lugares do Brasil e do mundo e muitos começam a costurar porque a moda não atende a seus diferentes manequins, estilos, gostos e até crenças", explica.
De fato, há cerca de 15 dias, no grupo "Costura para iniciantes" de troca de informações de costureiras iniciantes do Facebook, com mais de 350 mil inscritos, um post chamou atenção sobre ao relacionar a costura e o preconceito religioso. A integrante Camila Gonsalves postou seu relato comovente sobre a recusa de algumas profissionais da costura em fazer um traje para uma festa de Candomblé. "Comprei dois tecidos lindos, fiquei muito triste mas dei a volta por cima pois pesquisei pela minha cidade e comprei uma maquina de segunda mão. Com muito esforço e vontade, vi alguns vídeos no YouTube e os meus alakas e ficaram lindos. Eu não sei costurar mas agora estou me aventurando", contou.
Camila com o turbante e o vestido para a festa do Candomblé que aprendeu a fazer por tutoriais do YouTube. Por independência financeira, propósitos ecológicos, estilo ou até liberdade religiosa, costurar é pura emancipação! (Foto: Acervo pessoal)
Sobre o autor
Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.
Sobre o blog
Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.