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Em casa, boleira cria kit festa e mostra como lucrar R$ 2.500 por mês

Flávia Martinelli

17/07/2020 04h00

Por Jéssica Ferreira, especial para o blog MULHERIAS 

É possível começar o negócio com R$ 200 de investimento, atenção aos ingredientes e aos pedidos dos clientes.

É possível começar o negócio com R$ 200 de investimento, atenção aos ingredientes e aos pedidos dos clientes. "Nesse momento difícil, muitos pedidos são para presente. Fico feliz por fazer parte dessa rede de carinho", diz a boleira (Foto: Acervo pessoal)

Investir em kits de festas para quem está em confinamento foi a forma que a boleira Fátima Durães, 51 anos, encontrou para manter suas vendas na pandemia. "Não é porque as pessoas não estão fazendo grandes eventos que não querem comemorar o aniversário ou presentear alguém", diz a moradora do Jardim São Paulo, na zona Norte de São Paulo. Com a ajuda das filhas Victória (25) e Gabriela (24), dona Fátima toca o pequeno negócio da cozinha da própria casa e topou compartilhar seus segredos de forno, fogão e finanças. Ela sabe que milhares de pessoas, especialmente mães com filhos em idade escolar, estão precisando se reinventar para lidar com as consequências econômicas da crise do coronavírus. 

Apenas no primeiro trimestre deste ano, a pandemia já acumula 12,9 milhões de desempregados, aponta um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sabe-se que esse número é maior e não contempla o imenso universo de autônomos e informais. A necessidade de uma renda que supra as contas básicas bate à porta de muitas periferias. Já não é apenas uma questão de empreendimento, mas, sim, de sobrevivência.

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"É possível entrar no ramo de bolos e salgados por encomenda com pouco investimento", diz dona Fátima, otimista e realista. Conhecedora das dificuldades de quem precisa começar um negócio em casa, com baixo risco e resultado relativamente rápido, ela recomenda dar o primeiro passo com a produção de bolos de pote. "Com R$ 200  é possível produzir, em média, 100 unidades para vender a R$ 5 ou R$ 6 cada. Dá um ótimo retorno!".

Outra dica é fazer bolos de café da tarde, sem recheio, "que são fáceis e baratos, ideais para levantar uma graninha de investimento de cara. Só não esqueça de colocar no papel os gastos com gás, luz e água", acrescenta. Dona Fátima muito sabe do que fala.

Há décadas, Fátima ama confeitaria. Quando as filhas ainda eram pequenas, vendia salgados com o marido para lanchonetes e bares da redondeza. Acordavam às quatro da manhã para deixar tudo fresquinho, assado e frito, para, então, levar as encomendas até os estabelecimentos que abriam por volta das 6 horas. "O lucro era pouco e não compensava o cansaço", lembra. Por quatro anos, trabalhar com faxina foi mais vantajoso. Ela reservava só os finais de semana para fazer os bolos e outros quitutes de festa.

Em 2018, dona Fátima tomou coragem e para se dedicar exclusivamente ao seu talento e interesse. Com a clientela em construção, atendia a pedidos para aniversários ou casamentos. O isolamento social e o fim das aglomerações por causa da pandemia a obrigou a se reinventar. A experiência, porém, já estava na bagagem. "Bolo de chocolate com morango sempre é sucesso, sempre foi o que mais vendi", entrega.

Ela criaram a versão de todos os bolos do cardápio com peso de 1 quilo, ideal para uma família de 4 ou 5 pessoas ou mesmo para uma pessoa animada com um bolo só pra si ou casal. Ao carro-chefe de toda festa que se prese, elas acrescentaram 50 salgados, 25 docinhos e assim nasceu o Kit Fátima Durães Festas no valor de R$ 110.

O sucesso está na cara de felicidade dos clientes que passaram a mandar fotos de suas celebrações caseiras para redes sociais da boleira. A criação e cuidado com a página da marca no Instagram, por sinal, foi um divisor de águas logo no começo do negócio e fez toda a diferença no fluxo de vendas na pandemia. 

Com poucos conhecimentos sobre finanças, é a filha Victória, a Vic, quem sempre ajuda na precificação. "Estamos no processo", diz a programadora e jornalista. "Separamos o custo total, incluindo as contas gás, luz e água, de uma determinada quantidade de bolo ou salgados, acrescentamos a mão de obra e 30% a 40% para o valor do lucro. Não é nada super tabelado, mas tem dado certo." Em junho, o faturamento foi R$ 6 mil.

O trabalho exige dedicação diária. "Nada é um mar de rosas. Dificilmente você tem férias. Eu mesma só paro por uma semana nas festas de fim de ano. Então, é o que eu falo, enquanto no final de semana as pessoas estão fazendo festa, você está promovendo a festa", ressalta Fátima. 

A rotina na pandemia tem sido puxada. Fátima revela que dedica entre 10 a 12 horas por dia ao trabalho. Em geral, não dorme antes das 1h da manhã e inúmeras vezes ficou até às 3 da madrugada para deixar tudo preparado e começar o dia seguinte às 5h. "Faço tudo sozinha, há dias que são 6, 7 entregas. Mas quando surge encomenda demais aciono e pago amigas de confiança para me auxiliarem com as coisas que já ensinei".

Com as filhas Victória e Gabi: as meninas cuidam da parte criativa, cardápios e o operacional da empresa. Dona Fátima coloca a mão na massa e garante a qualidade e atendimento afetuoso (Foto: Acervo pessoal)

O negócio começou na cozinha caseira, pequena, de 11,5 m2, sem fogão industrial ou materiais profissionais. Mas dona Fátima nunca abriu mão de usar produtos de qualidade. "Não adianta comprar do mais barato para ter mais lucro porque você não vai conseguir clientes fiéis."

Com o aumento dos pedidos, ainda em 2019, o espaço passou por uma reforma, com a instalação de uma bancada de granito. Só então dona Fátima investiu em uma nova geladeira e uma batedeira maior. O forno elétrico que usa apenas para assar salgados ela ganhou de presente da cunhada. Os bolos continuam assados no fogão convencional.

"É preciso pouca coisa no começo, de verdade, tudo vai sendo construído, devagar, conforme os pedidos." Por falta de espaço, ela ainda não faz estoque de muitos produtos. "Só compro quantidade grande do que uso sempre, como ingredientes de bolo e óleo para fritura, e só se estiver em promoção!" 

Segundo Fátima, salgados de fritura podem ser congelados sem perder a qualidade. Mas as esfirras, não. Elas  precisam ser feitas no dia da venda. "É importante se atentar e sempre se atualizar sobre as formas adequadas de refrigeração, a embalagem e as condições de limpeza do ambiente. Tem que ter todo o cuidado, você não está fazendo uma comida pra sua casa, mas para outras pessoas. O cuidado com a limpeza e armazenamento é primordial", avisa.

Muita emoção envolvida

Mas nem só de técnicas ou cuidados na produção fazem a diferença. Dona Fátima lembra que toda encomenda é cercada de expectativas. É importante ter uma conversa cuidadosa sobre o bolo com o cliente, tirar todas dúvidas, dar detalhes dos produtos.

Ainda que uma receita tradicional de bolo de abacaxi, por exemplo, conte com coco fresco ralado na cobertura, dona Fátima sempre pergunta se a pessoa quer mesmo esse ingrediente por cima do chantili. "É esse um grande diferencial, sabe? Caso contrário era só comprar um bolo qualquer no mercado ou na padaria. Se a pessoa quer um bolo de chocolate com recheio de doce de leite e cobertura de paçoca, a gente faz, entende? Do jeitinho que ela quer." 

Estar de olho  aos hábitos alimentares da clientela também é parte do atendimento. Fátima produz o kit de festas também em opção vegana. Nessa versão, a coxinha é de jaca e as esfirras, de brócolis ou espinafre. Nenhum produto de origem animal vai nas massas de bolo, salgados ou docinhos. "Nessa área, meu plano é aprender mais e mais. Percebo que logo muitas pessoas vão migrar para o veganismo."


O delivery é feito por ela e seu marido. "Ele trabalha durante a semana então, normalmente, as entregas são feitas no final da tarde e começo da noite. Mas sempre tem um ou outro cliente que precisa receber mais cedo e, aí, a  minha filha Gabi me ajuda por estar em casa durante a pandemia." As taxas de entrega são cobradas de acordo com a distância de sua casa: De R$ 15 a R$ 20 para a zona Oeste e Sul, e R$ 10 para a Norte e Centro. 

 

Fátima ressalta que durante o isolamento, muitas encomendas de kit festa foram para presentear. O bilhetinho que acompanha cada encomenda sempre emociona. Recentemente, o singelo recado de "para o seu dia ficar feliz" foi entregue com seus quitutes para uma senhora de 68 anos. "Ela estava sozinha em casa e sorriu. Fico feliz por fazer parte de uma rede de carinho e amor."

DICAS PARA MONTAR O SEU NEGÓCIO

  • ORGANIZE AS FINANÇAS E PRECIFIQUE PARA LUCRAR!

"Tem muito conteúdo na internet para aprender a precificar. Há planilhas ótimas para saber como calcular custos fixos como água, luz e gás", conta Victória. É importante saber o significado de termos simples de economia como lucro, faturamento, déficit, custos fixos e variáveis, entre outros, para organizar seu negócio, ainda que seja pequeno. Quanto a possíveis prejuízos, ela afirma que inevitavelmente acontece. Para ter seu próprio negócio é preciso saber contornar as situações e pensar em alternativas. "Caso se programe para vender x quantidade e não saiam todos os produtos, faça promoções ou diminua sua margem de lucro. É melhor ganhar o mínimo do que sair perdendo, ficar com aquilo e estragar. Sinta aos poucos qual vai ser o processo das suas vendas", conclui.  

  • CONSTRUA PÚBLICO E CLIENTES

Paciência é fundamental porque construção de cliente e público não é do dia pra noite. Mas, sobretudo, não abra mão da qualidade dos produtos que vende e da atenção que dá para cada pedido. As indicações passam a ser efetivas quando o cliente fica satisfeito. "Não pode desistir porque as coisas não são de uma hora pra outra. Mas vão acontecendo", conta Fátima. 

  • PENSE NO CONSUMIDOR PARA ACERTAR NO CARDÁPIO

Segundo Victória, cardápio é questão de referência. Buscar canais que estão ensinando o que você quer produzir, pensar novas formas de apresentar o produto e sempre se atentar às novidades do mercado alimentício vai trazer diferencial para sua marca. Ela indica o canal do Youtube da Tábata Romero, do GNT,  que tem o objetivo de  incentivar o início de novos negócios dentro de casa. "Você pode conferir como reproduzir receitas que estão saindo bastante de maneira barateada. No fim do vídeo sempre rolam dicas de preço". 

  • FAÇA DA INTERNET SUA ALIADA! 

Caso não tenha dinheiro para cursos ou não conte com internet sempre à disposição, muitos são os canais e plataformas para se informar. Vic, que sempre trás novas ideias para o pequeno negócio, aponta os canais que segue e considera  bons para auxiliar o sucesso das vendas. "Tem a Danielle Noce, que voltou a cozinhar, TPM por Ju Ferraz e alguns voltados para o veganismo, como Kamili Picoli e Mussinha. Acompanho essas pessoas e as ideias vão surgindo".

Sobre o autor

Flávia Martinelli é jornalista. Aqui, traz histórias de mulheres das periferias e vai compartilhar reportagens de jornalistas das quebradas que, como ela, sabem que alguns jardins têm mais flores.

Sobre o blog

Esse espaço de irmandade registra as maravilhosidades, os corres e as conquistas das mulheres das quebradas de São Paulo, do Brasil e do mundo. Porque periferia não é um bloco único nem tem a ver com geografia. Pelo contrário. Cada uma têm sua identidade e há quebradas nos centros de qualquer cidade. Periferia é um sentimento, é vivência diária contra a máquina da exclusão. Guerrilha. Resistência e arte. Economia solidária e make feita no busão. É inventar moda, remodelar os moldes, compartilhar saídas e entradas. Vamos reverenciar nossas guardiãs e apresentar as novas pontas de lança. O lacre aqui não é só gíria. Lacrar é batalha de todo dia. Bem-vinda ao MULHERIAS.