Você sabe mesmo o que é funk? O ritmo vai muito além do rebolado de Anitta
Com reportagem de Raissa Germano e Monise Cardoso, especial para o blog MULHERIAS
Funk-nejo, brega-funk, funk melody, funk de beat fino, garrafinha e 150BPM. Estas são apenas algumas das vertentes do ritmo que embala o rebolado de Anitta, artista que faz sucesso mundo a fora e que, por sinal, canta ainda uma sétima linha do estilo musical: o funk pop. Cuidado ao dizer que você conhece o estilo que nasceu nas favelas cariocas e ganhou o Brasil, pois ele se multiplica do jeitinho que os DJs gostam: em ritmo frenético e quase impossível de acompanhar.
O funk é sonoridade, dança e lifestyle. Tem gírias próprias, criou sua estética e virou artigo de luxo. Não à toa, conquista cada vez mais os olhares da publicidade, campo restrito apenas a quem de fato tem lucro a oferecer. É o que afirma um estudo desenvolvido pelo Music2_Mynd8 Brasil, grupo especializado em música e em marketing de influência. "O movimento do funk se descolou do grupo de 'segmentos musicais' para se tornar uma cultura popular, com códigos próprios e ídolos. É um estilo de vida completo", afirma Samantha Almeida, executiva responsável pela operação do Music2_Mynd8 Brasil, eleita uma das 10 pessoas mais influentes do mercado de conteúdo pelo Youpix e Integrante do jury internacional de Publicidade Gerety Awards.
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Os funkeiros brasileiros foram beber da arte dos grandes gênios da música negra americana e trouxeram para os bailes do Rio de Janeiro da década de 1970 o soul e o funk dos Estados Unidos. O estudo "O Funk é Pop", desenvolvido pela Music2_Mynd8, cita os Djs Big Boy e Ademir Lemos como os grandes pulverizadores dos estilos nas noites cariocas. Foi desse movimento que nasceu a Furacão 2000, principal produtora de funk dos anos 1990.
Bigodin finin e cabelin na régua
De acordo com o dicionário de Língua Portuguesa Michaelis, "cultura" significa: conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente que caracterizam um grupo social. Com toda rebeldia e subversão, que lhe são características, não há como negar: o funk é cultura e usa de toda a sua potência representativa para se retroalimentar. "Muito se fala sobre a cultura da personificação, da busca do consumidor por algo que seja exclusivamente pensado para a sua realidade. O funk segue a regra mais simples e inovadora do marketing – não tem como não falar deles, sem eles. O movimento identificou seu público-alvo e cria para ele e com ele, é um círculo de confiança e reconhecimento", conclui Samantha.
Nas plataformas digitais o ritmo alcança números astronômicos (e crescendo). No Youtube, o clipe do hit "Bum Bum Tam Tam" de MC Fióti foi o primeiro vídeo brasileiro a atingir impressionantes 1.2 bilhões de visualizações. KondZilla, produtor e dono de um canal de funk homônimo, ostenta 50 milhões de inscritos e a 5ª posição no ranking mundial dos maiores canais de Youtube.
A internet é uma das principais plataformas de impulsionamento dos artistas do segmento. O ritmo está conectado e por isso mantém aquecida a conversa com a faixa etária do seu principal público consumidor: os jovens. De acordo com uma pesquisa realizada com 10.630 pessoas, em 2017, pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte com participação do Datafolha, o funk é o ritmo mais ouvido pelos entrevistados com idades entre 12 e 15 anos (55%). Já entre os de 16 a 24 anos, o ritmo é citado por 28%, só perde para o sertanejo. Ousado, o funk ganhou uma comparação grandiosa de Cornell Brown, diretor da Complex, revista americana especializada em cultura pop. "O funk no Brasil é como o hip hop nos Estados Unidos e o reggaeton na América Latina".
Imagem retirada do relatório "O Funk é Pop" da Agência Mynd8
A música que o Brasil adora odiar
O funk é som de preto, de favelado e atualmente, mais do que nunca antes, de mulheres e dos LGBTQI+. Ter suas letras, batidas, coreografias, signos e representantes marginalizados é fruto do mesmo racismo e preconceitos que o rap sofreu nos anos 1980 e que no século 20 tentou frear o samba. "Enquanto sociedade não fomos educados a identificar e nem validar culturas, movimentos e contextos que não nasçam nas chamadas 'elites' sociais. O funk é uma cultura nascida do grupo mais excluído do Brasil. Em um país colonizado e jovem como o nosso, a marginalização do que não está alinhado com referências importadas do que é bom, é uma consequência", explica Samantha.
Recentemente, os jornais noticiaram a prisão do Dj Rennan da Penha, responsável pelo Baile da Gaiola, o maior do Rio de Janeiro, reunindo cerca de 25 mil pessoas. A acusação é de que Rennan seria "olheiro" do tráfico. Segundo a Polícia, no celular do DJ haviam mensagens avisando para o pessoal do Complexo da Penha sobre a chegada dos policiais na região. Moradores relatam que a prática é comum na comunidade, funciona como um mecanismo de defesa, dada a truculência dos militares durante as operações.
Não é a primeira vez que o estado persegue o estilo musical. Em 2017, um projeto de lei propunha que o funk fosse considerado crime. Entre os argumentos dos defensores do PL, estava a retaliação às rimas que exaltam a violência e o tráfico; São elas que dão corpo à mais uma das vertentes desse universo musical: o proibidão. Renata Prado, diretora da Frente Nacional de Mulheres do Funk, dançarina de funk profissional e pesquisadora do estilo argumenta que usar apenas uma vertente para criminalizar todo um movimento é essencialmente racista. "O que está acontecendo com o Rennan é uma repetição do que já ocorreu com outros artistas que se destacam no funk. Já aconteceu com o produtor da Furação 2000, com os MC's Frank, Smith e Ticão e com outros que se destacam no meio. Existe um judiciário preconceituoso e classista que persegue a cultura do funk e que tem a ambição de exterminar o que há de mais belo nas periferias brasileira, que é a nossa arte", protesta.
Outra polêmica quente envolvendo o ritmo nascido nos morros cariocas são as composições escrachadas, que sem vergonha alguma versam sobre sexo – o famoso funk putaria. Mesmo sendo apenas um dos muitos recortes desse organismo vivo que é o estilo musical tema desta matéria, a crítica à vertente está sempre na boca dos que dizem odiar o funk. Renata defende que o problema está na forma e não no conteúdo. "O problema não é falar de sexo, mas sim como falar. Temos letras que degradam a mulher e outras que exaltam a sua liberdade sexual. Vivemos em um mundo machista e é natural que os reflexos disso se mostrem nas músicas – de todos os estilos", diz.
As preparadas: mulheres e LGBTQI+ dominam o funk
A presença feminina no funk não é uma novidade. Muito antes de Anitta chamar a atenção do Brasil com o seu quadradinho outros nomes já exaltavam o empoderamento e a liberdade da mulher, rompiam com padrões de beleza e levavam o batidão para além das fronteiras brasileiras. "A MC Tati Quebra Barraco foi a primeira cantora a fazer turnê internacional. Tati também foi a primeira MC a desfilar na semana de moda São Paulo Fashion Week mesmo pesando 90 kg, na época, além de ter estreado o funk em uma trilha de novela das 9h da Rede Globo. Antes de Anitta gravar com nomes como Madonna e Major Lazer, Deize Tigrona, MC carioca, fez feat com a cantora americana M.I.A. e teve a música "Injeção" sampleada pelo grande Dj Diplo", lembra Renata.
Representantes das mulheres no universo funkeiro, Ludmilla, Lexa, MC Tha e a própria Anitta são algumas das muitas que cantam sobre empoderamento, liberdade sexual e relacionamentos sobre o ponto de vista feminino. Jojo Todynho é uma MC mulher, negra e gorda que não economiza nas doses de autoestima e confiança. Gloria Groove, Lia Clark e Kaya Conky são artistas que levantam a bandeira LGBTQI+ no funk e juntas somam mais de 300 milhões de visualizações no Youtube.
Desde os primeiros bailes nos morros cariocas lá na década de 80 está mais que provado que o funk é terreno fértil para as camadas mais excluídas da sociedade projetarem a sua voz. E, como disse Pepita, mulher trans MC, "o funk é uma nova ótica sobre coisas que a gente achava conhecer".
Quer saber mais sobre cada estilo? Dá uma olhada no nosso guia:
150 BPM
Nascido no Rio de Janeiro, é conhecido também como ritmo louco, isso graça à sua batida acelerada. No 150 BPM, muitas vezes o DJ se destaca mais do que a figura do MC. É o caso de Iasmin Turbininha, uma das DJs mais aclamadas dentro do circuito.
Funk proibidão
Com letras que retratam de forma mais intensa o cotidiano violento das periferias ou que carregam cunho sexual, esse subgênero do funk talvez seja o que mais sofra preconceito. Uma das representantes é a MC Nick e um um dos seus sucessos é o "Mete com força".
Funk ostentação
Considerado o funk paulista, nascido na região metropolitana e na baixada santista. O funk ostentação tem como temas abordado o consumo, a própria ostentação de ter carros, motos e muito dinheiro. Podemos citar a MC Pocahontas, com a sua música "Mulher do Poder"
Funk consciente
O funk consciente retrata distorções sociais como: preconceito, racismo e o machismo. MC Carol tem letras que representam o gênero.
Funk-Nejo:
A batida do funk, misturada com instrumentos do sertanejo faz a cabeça de muitos jovens. Uma das músicas mais tocadas por todo país é "Cê Acredita" de João Neto e Frederico com Mc Kevinho.
Brega-Funk
Com origem pernambucana, o ritmo mistura o brega, o arrocha e o funk carioca. O Brega-Funk ganhou todas as partes do norte e nordeste, derrubou barreiras e ganhou o Brasil todo com suas representantes oficiais o trio MC Loma e as Gêmeas Lacração, a sua primeira e mais conhecida música "Envolvimento".
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